
O que mudou realmente nas atitudes das pessoas perante os relacionamentos vulgarmente apelidados de amorosos, a ponto de serem re-nomeados de uma forma tão radical?
Há uns anos atrás, não tantos como isso, era-se amigo de alguém, saía-se com essa pessoa, andava-se com ela, ia-se para a cama, e não se perdia nenhuma destas fases, umas não excluíam as outras.
Porque razão se passou do querer muito para o querer quase nada? É tudo preto e branco, não cabem aqui graus de cinzento neste espectro?
Não poucas vezes coloco a questão a diversas pessoas de diferentes faixas etárias, extractos sociais, graus de escolaridade e interesses distintos, a ambos os sexos, hetero ou homossexuais, o que afinal vem a ser esta figura da amizade colorida?
Obtenho sempre respostas mais ou menos desconexas mas uma sai sempre da cartola quando se fala destas coisas: ausencia de compromissos.
Então fico para aqui a moer ideias e analiso o conteúdo semântico da palavra amizade que quer, em suma dizer, afeição, boas relações, dedicação. Amigo é aquele que se quer bem, é a pessoa amigável que destacamos no nosso círculo de conhecimentos e a quem dedicamos o nosso tempo, algum claro, a quem escutamos e que nos escuta a nós, e com quem passamos, de forma divertida e por vezes menos divertida, pedaços, maiores ou menores, da nossa vida.
Há os amigos de infância, os da adolescência e os da idade adulta, cada qual com o seu grau de importância e longevidade, com quem partilhamos interesses diversos em ocasiões distintas.
Então se assim é, porque se pensa que ter amigos não implica ter compromissos com eles?
Fechamos a cara e a porta a um pedido de ajuda? Ignoramos uma ocasião de diversão ou de partilha de coisas menos boas com alguém, porque apenas nos norteia um objectivo?
Existem assim tantos bons amigos e um grau de amizade tão grande e de tanta qualidade, que nos obrigue a compactuar com um sub produto da amizade como é esta de cariz marcadamente sexual, que dá pelo nome de amizade colorida?
Não se faz sexo com os amigos, faz-se com os amantes/namorados (as), etc.. Podem ser amigos também, mas aí apenas porque se quer ir para a cama com eles não se comtempla a premissa do compromisso, no sentido menos trágico do termo?
Porquê?
As pessoas com quem se trocam fluídos corporais são merecedores de uma menor dose de respeito e consideração que aquelas com quem vamos ao cinema, tomar um café, vamos ver um jogo de futebol?
Se assim é porque se passa isto afinal?
Tenho a ideia que só se vai para a cama com alguém quando existe atracção física, química, algum entendimento intelectual de preferencia, experiencia mais ou menos similar, se bem que não é de todo indispensável, mas pelo menos algo que me motive grandemente.
Para todos os efeitos essa pessoa vai ter acesso ao mais íntimo de nós, vai ver-nos sem roupa, sem artifícios, vai ver-nos despenteados, sem maquilhagem, a transpirar, a dizer e a fazer coisas que não admitimos para todos no dia-a-dia, vai introduzir em nós partes da sua anatomia.
Vamos lá dissecar esta ideia.
Não passa pela cabeça de ninguém, suponho eu, que ter sexo com alguém obrigue ambas as partes a contraírem matrimónio, ou a usarem uma aliança de comprometidos, se é que tal ainda se pratica. Seria absurdo, claro.
Porém alguém me explica porque as pessoas se consomem umas às outras pautando a sua existência pelos orifícios do seu corpo? Ou pelos seus instintos sexuais?
Partamos desse princípio, será únicamente por instinto. Então se for assim deveríamos ser um dos povos mais contente e satisfeitos da Europa, porque o sexo sendo bom, provoca uma descarga de adrenalina e de endorfinas capaz de nos colocar nas núvens.
Então porque são tantos os relatos de pessoas insatisfeitas, magoadas, que copulam por hábito, por razões de coleccionismo, por acumulação de experiencias apenas com carácter de uma queca diferente = a uma pessoa diferente?
Não levanto estas questões por ser uma púdica, longe disso, muito longe mesmo. As minhas perguntas têm a ver com um estado de coisas, instituídas a uma escala absurda, que grassa de forma descontrolada, em novos e em menos novos.
Então, digam-me lá, se eu for para a cama com alguém não posso ir ao cinema com essa mesma pessoa, por exemplo? E se essa pessoa não aceitar ir ao cinema comigo por preferir apenas sexo, isso não será o suficiente para mandá-la pastar a cabra para outras paragens?
É que se desejos fossem cavalos estávamos todos enterrados em estrume até às àxilas, não vos parece?
Se ao desejar-se alguém de uma forma únicamente sexual não se estará a cair num erro crasso e a diminuí-la na sua forma de ser e de estar na vida? Não estaremos a perder a oportunidade de realmente conhecer pessoas interessantes e fazer dessas pessoas amigos?
Como se pode imaginar que se troca suor, energias, tempo, desejos, sem haver compromisso com o que essa pessoa sente ou pensa, em algum grau?
De que forma é possível viver únicamente desta forma, tão profundamente solitária e egocêntrica?
Será que as pessoas todas deste país, porque nem quero falar de outras paragens, são assim tão burras, desinteressantes, bacocas, feias, mal vestidas, acéfalas, ordinárias ou falsas que não será possível fazer com elas outra coisa, e desculpem-me o termo, que não seja foder?
Teremos todos, sem excepcção, a absoluta certeza que quem levamos para a nossa cama é assim tão deslumbrante, por fora e por dentro, que só seremos dignos da sua companhia por uma única vez e apenas para desenvolver uma única actividade?
Ou, visto pelo nosso lado, somos assim tão de tal forma únicos e incomuns, possuídores de um carácter fascinante e flamejante, de tirar de tal forma a respiração, que não permitimos que uma outra pessoa partilhe do calor do nosso corpo mais que uma vez ou que disfrute da nossa companhia para nada mais além de sexo, corriqueiro e banal, ou mesmo bom que seja?
Deixemo-nos de tretas! A amizade colorida é o maior embuste que alguém alguma vez se lembrou de inventar, não serve para nada de realmente útil! Até parece que estamos em guerra mundial onde não há tempo nem para limpar armas!
Para quê tanta sofreguidão?
E depois ainda se espera do outro uma enorme dose de complacência quando quase nem se dá tempo para saber o nome verdadeiro, é só rir…
E ainda se assiste a pessoas a perguntar se isso é importante?
Agora porque é que esta figura incongruente, desarticulada e rígida da amizade colorida tem tantos e crescentes adeptos, a ponto de quase ser encarada como uma nova religião, é que eu não consigo perceber.
Alguém, por favor, faz a fineza de me explicar? Ou nunca pensaram nisso?