
“Só posso crer num deus que saiba dançar.”
Nietzsche
- Janta comigo – dizia tão sómente a sms no telemóvel dela.
Parecia um convite simples, singelo, algures entre o mero desejo e a urgência de companhia.
O programa proposto era jantar, assistir a um filme e dormir, se quisesse, em casa dele.
Conheciam-se há pouco tempo, falaram algumas vezes na net, tomaram um café apenas. A conversa gerada nesse encontro foi inteligente, intimista, directa, algo profunda para uma primeira vez entre duas pessoas estranhas e de idades tão distintas.
Ela demorou a aceitar um segundo encontro não por desconfiança ou por ter desgostado dele, mas apenas por antecipar algum tédio subjacente, ou por lhe cheirar a sangue de feridas recentes.
O sangue fresco das feridas dos outros começava a causar-lhe alguma repugnância ou seria apenas por já não lhe apetecer ser mais amiga de ninguém de uma forma singular, algo parecido com um self-service de um prato só.
Foi ter com ele, a conversa desenrolou-se amena como da primeira vez, as ideias eram compreendidas por ambos sem explicações desnecessárias.
O filme correu por alguns minutos e a aproximação dos dois corpos na semi-escuridão da sala abafada, provocada por ele de forma subtil mas persistente, não foi negado por ela, não correspondeu nem fugiu, deixou-se ficar.
Alguma doçura da parte dele, porém, motivou-a . Não foi ali para ter sexo; talvez tenha sido ingenuidade da parte dela, talvez se sentisse curiosa ou apenas aborrecida naquele final de semana.
Jogaram-se as palavras, atiradas como confidências, dividiram anseios e preocupações sobre a vida, sobrevoou-se o passado... é tabú tocar no futuro.
Beijaram-se e tocaram-se horas a fio, ávida ou lentamente. Ela, mais velha ou mais experiente, apreciou ter nas mãos um corpo masculino ainda habitado por aqueles pequenos complexos ou medos próprios de quando somos mais jovens e nos vemos perante algo que nos desafia.
O cabelo dele era macio, a pele quente, o cheiro dele emanava ainda alguma pureza, difícil de encontrar em homens mais velhos, os gestos doces, excitados mas sem artifícios.
Ajudou-o a descobrir, calmamente, recantos no seu corpo que haviam sido negligenciados até então. Arrancou-lhe sensações, arrepios, risos nervosos.
Ele perguntou-lhe se ela era feliz e abraçou-a fortemente ao escutar a resposta... afinal eram dois naúfragos.
Os momentos vividos naquela noite pareciam querer congelar o tempo; certas horas são mais perfeitas que outras é natural que as queiramos registar nas nossas mentes, mesmo que a realidade posterior se encarregue de desmentir, implacávelmente, essa perfeição.
Quando o sexo estava eminente a sua mente já não estava ali, o corpo ia disfrutando de alguma da intimidade gerada, mas ela sentia-se desligada dele, como se sentia de todos os outros.
O sexo e a sedução, o erotismo e o mistério, deixaram de estar interligados, caíndo compartimentados como se tivessem sido dispostos em alumínio alveolar. Não caminhavam mais de mãos dadas.
Maquinalmente ajudou-o na tarefa de colocar o preservativo, brincando com algum do nervosismo da ocasião. Ela desceu à terra por momentos, apenas o suficiente para lhe mostrar que este momento também pode ser diferente e divertido.
Sentiu a penetração e assistiu ao orgasmo dele como quem assiste a um facto consumado que já pouco lhe diz, como quem admite, enfadada, que certas coisas são quase sempre todas iguais.
Ou reflecte apenas que o amor aprende-se e ensina-se com o tempo, ou simplesmente reaprende-se no corpo do outro. Mas não há tempo os desejos vão ser aniquilados no despertar da manhã seguinte; os príncipes de uma noite só tendem a ser os sapos do raiar da aurora, é um facto da vida e não podemos querer ensinar tudo a alguém.
Claro que ela pode interromper este interminável ciclo já que sexo com alguém não passa de uma forma de estar consigo mesma mas em stereo.
São precisos 2 para dançar, é verdade, mas terá deixado de se interessar por este baile inconsequente dos corpos, em mais uma valsa, em mais um tango de uma só partitura?
Conjugar os verbos no singular ou existir em estado de singularidades terá atingido um ponto de total aborrecimento na vida dela, em que dançar sózinha não se distingue do fazê-lo acompanhada?
Ou ter-se-à aborrecido de dançar mal e com maus executantes ou simplesmente negligentes?
Terá perdido em algum atalho deste processo a capacidade de ouvir a bela música dos corpos e apenas se apercebe dos autismos?
Ou deixou simplesmente de acreditar nos delicados acordes produzidos pela sintonia das almas quando as bocas se procuram, em puro acto de desejo?Provavelmente ela apenas pensa que é já demasiado tarde para continuar a fazer coisas inúteis com a sua vida.
Nietzsche
- Janta comigo – dizia tão sómente a sms no telemóvel dela.
Parecia um convite simples, singelo, algures entre o mero desejo e a urgência de companhia.
O programa proposto era jantar, assistir a um filme e dormir, se quisesse, em casa dele.
Conheciam-se há pouco tempo, falaram algumas vezes na net, tomaram um café apenas. A conversa gerada nesse encontro foi inteligente, intimista, directa, algo profunda para uma primeira vez entre duas pessoas estranhas e de idades tão distintas.
Ela demorou a aceitar um segundo encontro não por desconfiança ou por ter desgostado dele, mas apenas por antecipar algum tédio subjacente, ou por lhe cheirar a sangue de feridas recentes.
O sangue fresco das feridas dos outros começava a causar-lhe alguma repugnância ou seria apenas por já não lhe apetecer ser mais amiga de ninguém de uma forma singular, algo parecido com um self-service de um prato só.
Foi ter com ele, a conversa desenrolou-se amena como da primeira vez, as ideias eram compreendidas por ambos sem explicações desnecessárias.
O filme correu por alguns minutos e a aproximação dos dois corpos na semi-escuridão da sala abafada, provocada por ele de forma subtil mas persistente, não foi negado por ela, não correspondeu nem fugiu, deixou-se ficar.
Alguma doçura da parte dele, porém, motivou-a . Não foi ali para ter sexo; talvez tenha sido ingenuidade da parte dela, talvez se sentisse curiosa ou apenas aborrecida naquele final de semana.
Jogaram-se as palavras, atiradas como confidências, dividiram anseios e preocupações sobre a vida, sobrevoou-se o passado... é tabú tocar no futuro.
Beijaram-se e tocaram-se horas a fio, ávida ou lentamente. Ela, mais velha ou mais experiente, apreciou ter nas mãos um corpo masculino ainda habitado por aqueles pequenos complexos ou medos próprios de quando somos mais jovens e nos vemos perante algo que nos desafia.
O cabelo dele era macio, a pele quente, o cheiro dele emanava ainda alguma pureza, difícil de encontrar em homens mais velhos, os gestos doces, excitados mas sem artifícios.
Ajudou-o a descobrir, calmamente, recantos no seu corpo que haviam sido negligenciados até então. Arrancou-lhe sensações, arrepios, risos nervosos.
Ele perguntou-lhe se ela era feliz e abraçou-a fortemente ao escutar a resposta... afinal eram dois naúfragos.
Os momentos vividos naquela noite pareciam querer congelar o tempo; certas horas são mais perfeitas que outras é natural que as queiramos registar nas nossas mentes, mesmo que a realidade posterior se encarregue de desmentir, implacávelmente, essa perfeição.
Quando o sexo estava eminente a sua mente já não estava ali, o corpo ia disfrutando de alguma da intimidade gerada, mas ela sentia-se desligada dele, como se sentia de todos os outros.
O sexo e a sedução, o erotismo e o mistério, deixaram de estar interligados, caíndo compartimentados como se tivessem sido dispostos em alumínio alveolar. Não caminhavam mais de mãos dadas.
Maquinalmente ajudou-o na tarefa de colocar o preservativo, brincando com algum do nervosismo da ocasião. Ela desceu à terra por momentos, apenas o suficiente para lhe mostrar que este momento também pode ser diferente e divertido.
Sentiu a penetração e assistiu ao orgasmo dele como quem assiste a um facto consumado que já pouco lhe diz, como quem admite, enfadada, que certas coisas são quase sempre todas iguais.
Ou reflecte apenas que o amor aprende-se e ensina-se com o tempo, ou simplesmente reaprende-se no corpo do outro. Mas não há tempo os desejos vão ser aniquilados no despertar da manhã seguinte; os príncipes de uma noite só tendem a ser os sapos do raiar da aurora, é um facto da vida e não podemos querer ensinar tudo a alguém.
Claro que ela pode interromper este interminável ciclo já que sexo com alguém não passa de uma forma de estar consigo mesma mas em stereo.
São precisos 2 para dançar, é verdade, mas terá deixado de se interessar por este baile inconsequente dos corpos, em mais uma valsa, em mais um tango de uma só partitura?
Conjugar os verbos no singular ou existir em estado de singularidades terá atingido um ponto de total aborrecimento na vida dela, em que dançar sózinha não se distingue do fazê-lo acompanhada?
Ou ter-se-à aborrecido de dançar mal e com maus executantes ou simplesmente negligentes?
Terá perdido em algum atalho deste processo a capacidade de ouvir a bela música dos corpos e apenas se apercebe dos autismos?
Ou deixou simplesmente de acreditar nos delicados acordes produzidos pela sintonia das almas quando as bocas se procuram, em puro acto de desejo?Provavelmente ela apenas pensa que é já demasiado tarde para continuar a fazer coisas inúteis com a sua vida.