Olhei para mim, e fiz uma careta... Afinal era eu quem o espelho velho e desgastado devolvia em jeito de imagem. Olho para as manchas que pontilham aquele pântano de vidro e ensaio um sorriso, porém dos meus esforços só um esgar se reflecte e, como conclusão, está claro, dos olhares de uns obtenho o espelho, dos outros só ganhava as manchas.
Da fraqueza da luz que alumiava a pequena casa de banho do quarto da velha casa, começei por verificar, comprimindo os meus olhos de míope, que uma nova borbulha tinha-se mudado para a ponta do meu nariz. Pensei, se a espremo vou ficar ainda pior, se a deixo lá ficar os outros vão notar. Depressa me decidi, um café quente em qualquer canto da baixa iria ajudar-me em mais uma decisão transcendente da minha vida.
Saio animada e com aquela sensação de herói que todos experimentamos ao sair de uma sala de cinema, depois de assistir a mais uma aventura pré-fabricada com sei lá que nome.
Lá fora cheira a avenidas quentes e havia comentários sobre a chuva que parecia não ter caído, olho para a calçada e confirmo que, ninguém diria, daquela chuva só o chão sabia.
Andam muitos outros a pisar as escassas gotas da calçada fazendo-me imaginar quantos arco-irís jaziam debaixo de tantos apressados pares de pés.
Perdida em pensamentos nem noto que agora mesmo uma dessas gotas se desfez, viajou suicída de uma àrvore, de encontro ao meu nariz, refrescando a maldita borbulha.
Tomar café na Baixa deixou-me ainda mais pensativa, é uma das contra-indicações desta bebida, e na minha mente desfilam, qual rosário de marfim, todos os rostos da manhã falando ao mesmo tempo... bocas e mais bocas ora de sorrisos ora de esgares... detenho-me a pensar que nem sempre os consigo distinguir uns dos outros.
Embarco por alguns minutos na dissecação da fórmula shakesperiana "to be or not to be", mas a minha ignorância permanece a mesma, se uns me dizem que pareço uma rosa em ninho branco, outros... bem, esses são os fala barato da sociedade, os lobos com pele de cordeiro, as moscas que me incomodam ao almoço...
Nunca gostei de vestir a pele de vítima mas, por vezes, apetecia-me ser mosca nos almoços dos outros, porque sempre achei fascinante pensar que faria eu com tantas lentes, qual video wall. Deixaria de ser míope, entendendo as coisas por completo, ou guardaria únicamente uma imagem de tudo o que visse?
Pensando melhor, gostaria mesmo era de ser como uma varanda, bastante saída para fora, de estilo colonial, destacada do edifício para poder estar lá, desperta, em cada nova manhã para poder ver tudo antes dos outros acordarem.
Mas a minha alma apenas tem forças para regressar ao confessionário de um espelho manchado pelo tempo.
A luz fraca que ele reflete uma e outra vez parecia querer comunicar com algo em mim como um código morse, talvés se piscar os olhos repetidamente pudessemos conversar.
Os olhos, contudo, fogem-me para aquela inestética borbulha como ruído de estática, quais zumbidos que as linhas telefónicas albergam com a convicção de mães.
Mesmo que me apeteça hoje comunicar, o desejo de permanecer muda só interfere nesta sociedade tão pseudo organizada, tão cheia de conversas da treta.
O espelho e as suas manchas brilhantes como chuva fora de horas, caíndo na calçada quente da avenida e nas varandas de casas de praia, onde podemos ser tão de quartzo como os grão de areia, os olhos de múltiplos sóis das moscas que lutam para garantir uma imagem, mas não passam de arco-íris abortados, perdidos nas fendas da calçada, e eu sem me conseguir decidir...
Serão escasas tantas metáforas, tantas fórmulas nesta superfície lisa, quando de manhã, uma mulher acorda com uma borbulha incómoda na ponta do nariz.
Valha-me ao menos os sorrisos francos de uns, afinal é apenas mais um dia de verão...
segunda-feira, junho 26, 2006
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