Lisboa é uma cidade antiga e algo trágica. Existem espaços em Lisboa como não os há em mais cidade nenhuma, ou provavelmente existem, mas para nós portugueses a nossa capital é a mais bela do mundo. Compreende-se, é uma atitude bonita.
Um dos locais mais antigos, cheios de história e muito amados é a Livraria Bertrand. Em 1732, o francês "Pedro Faure abre uma Livraria na Rua Direita do Loreto e para assegurar a sucessão, casa a filha com Pierre Bertrand, um seu conterrâneo livreiro. Este, juntamente com Jean Joseph, seu irmão, dá origem à Livraria Bertrand. O negócio corria bem, mas o terramoto de 1755 acabou por devastar a Livraria. Este incidente pôs em perigo a continuação do negócio, que viria a ser abandonado por Pierre, mas o seu irmão, mais persistente, não desiste e em 1773, a Livraria Bertrand renasce na Rua Garrett, onde se mantém até hoje".
Para os que o desconhecem, os serviços admnistrativos da empresa vão ser transferidos para o edifício do Circulo de Leitores, em Benfica, para enorme tristeza dos empregados, para quem deixar o Chiado equivale a perder quase que a noção de "cidadania".
As caixas de cartão estão por todo o lado, repletas dos pertences dos seus ocupantes, a azáfama é muita mas a tristeza invadiu todos conforme os dias foram passando. Este Natal não terá, certamente, o mesmo sabor.
Ao cimo das escadas de acesso ao 1º andar do nº 29 da Rua da Anchieta, perto do arquivo geral, estava, há uns dias, a silhueta ténue do nosso fantasma. Também "ele" vai perder os amigos e companheiros de todas as ocasiões.
O cheiro dos livros não mais vai ser sentido e, em breve, o frenezim que acompanha o lançamento de uma nova obra não mais ecoará no labirinto dos corredores frios da editora.
Desde os finais do séc XVIII que neste espaço convivem dezenas de pessoas, fantasmas, livros, computadores e impressoras, elementos estes adiccionados pelos tempos modernos, é como uma fábrica de ideias que se vai calar, vão ficar apenas paredes vazias e os fantasmas serão votados ao esquecimento.
É o preço do progresso e dos imperativos comerciais e económicos, mas nem por isso mais fáceis de aceitar. Quando se abandona um local cheio de história em que cada centímetro quadrado fala com a autoridade dos monumentos, é inevitável pensar que certas situações ficariam melhores se nunca fossem tocadas; por vezes cristalizar no espaço e no tempo, como um retrato "a sépia", nem sempre pode ser considerado algo de negativo.