sábado, setembro 09, 2006

Sermos nós, memo, memo...

À conversa com um amigo ontem à noite em plena "avenida da praia", no Barreiro, com um café defronte de mim e ele um ice tea, comentávamos a pessoas que escrevem e que têm um blog. Eu tenho ele não tem e nem sequer era apreciador desta imensa comunidade de gente. Agora, convivendo de perto com uma blogger, foi "obrigado" a pensar na questão de uma forma menos neutral.
Quem nos vê de fora supõe uma de duas coisas: ou mentimos sobre nós mesmos ou contamos com a credulidade cega dos nossos leitores que são levados a acreditar que tudo o que dizemos é uma verdade insofismável.
Em qualquer uma das situações deparamos com uma espécie de "triangulo amoroso" entre o autor, o que é escrito e o leitor.
Começemos pelo autor. Somos, para todos os efeitos, pessoas de carne e osso, vivos e actuantes. Como tal vivenciamos e experienciamos situações como qualquer outro mortal comum.
O que escrevemos, outro dos vértices, pode ou não ser absolutamente verdade contudo existe em maior ou menor grau, restícios nossos, como uma parcela de ADN transformado em palavras ou imagens.
O terceiro parceiro é o leitor. É o X oculto e imponderável nesta equação. Alguns "vivem" as nossas histórias de forma intensa interiorizando-as como fazendo parte integrante das nossas vidas, outros julgam-nos de forma mais severa, somos ateus, viciados em sexo e não temos de certeza mais nada com que ocupar a nossa existência, logo somos uns parasitas alienados e sem senso das conveniencias sociais.
Como neste momento a paixão pelo meu blog é algo real e indesmentível tentei analisar a questão de forma mais profunda.
O meu blog é recente e não é nada de monta comparado com o talento que vou constatando em visitas assíduas a outros "habitantes da blogosfera". Como tal nunca poderei tomar-me como exemplo. Não obstante esse facto, e por não ser acéfala, tenho a minha opinião sobre o fenómeno dos blogues.
Por ser uma demonstração da criatividade do ser humano, de per si, já seria compelida a manifestar-me a favor. Há mais ou menos talento no mundo dos blogues, menor ou maior grau de originalidade, porém todos o fazemos porque nos apetece fazer.
E quem nos lê vem cá porque quer ou por acaso, porém se existem perto de 50 milhões de blogues registados em todo o mundo o efeito bola de neve faz esse número triplicar, no mínimo, quando contabilizamos aqueles que nos leêm.
Agora apurar se o que escrevemos é real ou imaginário equivaleria à absurda tarefa de questionar o mesmo a cada escritor que já publicou uma linha desde a invenção da escrita.
Um blogue tanto pode ser um diário de A a Z da história das nossas vidas como uma completa obra da mais pura ficção.
E ficção é mentira? Recuso esse conceito liminarmente.
Não obstante saber de conhecimento pessoal que muitas das vezes quem escreve em quase nada se espelha, em termos de personalidade nuclear, enquanto autor de um blog, também será de compreender a noção contrária.
Em suma somos autores de discurso escrito, publicado neste global livro que é a net, sejamos ficcionais, factuais ou algo pelo meio, não deixamos de ser pessoas e não meros prestidigitadores de vocábulos.
Isto significa que não mentimos mas, como disse o poeta, contamos a verdade de outra maneira. Contamo-la à nossa maneira e é unicamente isso que importa.
Se alguém chora, ri, fica pensativo, fantasia ou se masturba ao debruçar-se sobre a "obra" de um blogger, tal facto em nada nos distingue de um autor de livros, filmes, etecetera, que vê o seu nome ou pseudónimo impresso.
Estou a ser pretenciosa? É capaz, porém esta é a realidade do meu ponto de vista e se nos colocam rótulos que podemos nós fazer? Implodimos ou explodimos?
Quando eu, tu, ou a pessoa do blogue que se segue se expõe fá-lo de livre e expontânea vontade e quem nos procura é igualmente livre de o fazer.
Nós existimos e estamos cá e isso não se pode negar e provávelmente engrossamos a gigantesca lista daqueles que, de uma ou outra forma, tomam nas suas mãos fazer acontecer o parto da criatividade.
Não somos artistas de renome, é verdade, alguns já o são provávelmente, porém estamos todos aqui, conquistámos um espaço, virtual decerto, mas estamos cá.
Por isso afirmo: não somos mentirosos, não somos parasitas desocupados, de moralidade duvidosa, ateus ou fanáticos, somos as mãos que escrevem num teclado a vida real diária ou imaginária e recusamos todo e qualquer selo que queiram colocar nas nossas testas.
E somos sempre nós!

sexta-feira, setembro 08, 2006

A odisseia do pardal perneta


Chamemos ao nosso pardalito perneta o terno nome de Joaquim.
É um nome como outro qualquer mas este é um nome bonito, português, enche a boca quando se pronuncia e tem uma música inata.
A aventura de Joaquim naquela tarde de verão foi um desafio para os 2 humanos que a ela assistiram perfeitamente maravilhados.
Eu e um amigo fomos almoçar a um cantinho simpático de Lisboa, comer uma daquelas baguettes de meio metro ou lá o que aquilo é e conversar até derreter as calorias consumidas.
Joaquim e o resto da pardalada andavam por ali a voar e a debicar as sobras de comida que as pessoas iam deixando.
Eram muitos e totalmente destemidos mas Joaquim era a estrela da festa.
Tinha uma deficiência no trem de aterragem do lado direito e quando levantava voo fazia-o com a elegância de um ganso patólas corrigindo a rota com o papo, tratando de compensar a falta de generosidade da mãe natureza.
Tinha um pipilar meio esquisito mas todo ele era energia.
Vê-lo lutar com uma batata frita do seu tamanho foi um dos momentos altos da nossa tarde.
Quem diria que um pardal tão minúsculo seria tão despachado e feliz?!...
Se fosse um ser humano, com aquela dificiência, andaria por aí a lutar contra escadas e patamares altissímos dos autocarros, tentado evitar a multidão das ruas ou lidando com a indiferença dos olhares das pessoas que nos transportes públicos alapam os rabos nos lugares destinados a pessoas com necessidades especiais.
Uma tarde quente, com boa companhia e de papo cheio, humanos e passáro, foram às suas respectivas vidas.
Joaquim também decerto nos esteve a observar, pensando com a suas penas que raio estão aqui a fazer sentados há quase 4 horas, dois espécimes da raça humana, a dar à língua e a rir como perdidos?
A propósito de pardais lembrei-me de ir à procura de alguns provérbios engraçados sobre bicharada com penas. Ora vejam:
· Por morrer uma andorinha, não acaba a Primavera.
· Ave de bico nunca fez dono rico.
· Aves da mesma pena andam juntas.
· Das aves, boa é a perdiz, mas melhor é a codorniz.
· De ave de bico encurvado, livra-te dela como do diabo.
· Duas aves de rapina não se fazem companhia.
· Pelo canto conhece-se a ave.
· Gado de bico nunca fez ninguém rico.
· Gaiola bonita não dá de comer ao canário.
· Quando Julho está a começar, as cegonhas começam a voar.
· Cria o corvo, tirar-te-á os olhos.
· Ninguém morre no ano sem ouvir cantar o cuco.
· Onde vai galo de fama, não têm as frangas que fazer.
· Gaiola aberta, pássaro morto.
· Gaivotas em terra, sinal de bom tempo.
· Gaivotas em terra, temporal no mar.
· Gaivotas por terra, ou fome ou guerra.
· A galinha da vizinha é mais gorda do que a minha.
· Bago a bago enche a galinha o papo.
·Galinha de campo não quer capoeira
· Galinha que canta quer galo.
.Prudência e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.
·Galo loiro dá agoiro
· Na casa onde a mulher manda, até o galo canta fino.
· A pequeno passarinho, pequeno ninho.
.Papagaio velho não aprende a falar.
· Estorninhos e pardais, todos somos iguais.
· Mais vale ser pardal na rua, que rouxinol na prisão.
· O primeiro milho é dos pardais.
· Por medo dos pardais, não se deixa de semear cereais.
· Quando o pardal tem fome, vem abaixo e come
.Cada qual vê a moral e a sabedoria segundo a sua perspectiva: o peixe olha de baixo, o pássaro de cima.
· Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar.
· Pássaros do mar em terra, sinal de vendaval.
.Quem morre de véspera é peru de Natal
· Não contes os pintos senão depois de nascidos.
· Horta com pombal é paraíso terreal.

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade





Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube que ias comigo,
até que as tuas raízes atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.
Pablo Neruda

Poemas de Pablo Neruda


Os teus pés
Quando não te posso contemplar
Contemplo os teus pés.
Teus pés de osso arqueado,
Teus pequenos pés duros,
Eu sei que te sustentam
E que teu doce peso
Sobre eles se ergue.
Tua cintura e teus seios,
A duplicada purpura
Dos teus mamilos,
A caixa dos teus olhos
Que há pouco levantaram voo,
A larga boca de fruta,
Tua rubra cabeleira,
Pequena torre minha.
Mas se amo os teus pés
É só porque andaram
Sobre a terra e sobre
O vento e sobre a água,
Até me encontrarem.


Pablo Neruda

quinta-feira, setembro 07, 2006


Escrever é sempre uma catarse, expelindo de nós as palavras, fica o vazio e quantas vezes expurgados desses sentimentos que nos levaram a dar à luz essas palavras não nos resta senão esperar que a taça se encha de novo e tudo, enfim, recomeçe.

Fecho os olhos e projecto na minha mente um penhasco altissímo e escarpado comigo à beira dele, abro os braços e sinto todos os elementos naturais que me circundam.

É assim que começo quando escrevo seja o que for, quando o cálice está repleto e o autismo parece habitar em mim.

Gritar ao penhasco ou simplesmente sussurrar-lhe as lutas titâniacas que se geram cá dentro é assim que comunico com o infinito.

O infinito nem sempre me devolve o olhar que procuro... às vezes apenas oiço o eco das minhas próprias angústias num amargo solilóquio.

quarta-feira, setembro 06, 2006

Raiva


Atirei à Lua
Um passáro negro
Devolveu-me único um piar
Como as tuas palavras caladas
Apóstolo do que nunca dirás

Rasguei em bocados a raiva
Quando me atiraste com os pedaços da tua vida

Nos cantos da boca
Dorme um soluço
Não te quero
Não te tenho

No mesmo espelho onde te vés
Não me quero ver
Não quero as cores
Não quero os vazios

Bastarda solidão
Sentada aos pés da cama
Olhando-me absoluta

Se olhas por mim

Porque não olhas para mim?


Shaktí - Setembro 2006

Um anão celeste chamado Quaoar


Como todos já sabemos Plutão foi relegado para um categoria menor no sistema solar sendo agora considerado um anão gasoso.
Deve ser duro perder um lugar de honra que detinha desde 1930 mas são as novas leis da astronomia.
Desde essa data foram entretanto descobertos outros corpos celestes no nosso sistema solar, todos de massa inferior ao nosso querido planeta Terra o que é bom porque ninguém vai querer decerto estar por lá nos confins frios e solitários da orla do nosso sistema planetário.
Um deles chamou-me a atenção pelo nome tão peculiar, descoberto em 2002, a quem puseram o nome de Quaoar com um diâmetro de apenas 1.200 kilómetros ( a Terra tem quase 13.000 km e a Lua 3.476).
Ora um nome destes para um planetóide só pode ser brincadeira e se tivesse sido descoberto por um português não lhe tinham dado este nome certamente, pois é lendária a nossa propensão para fazer de tudo uma anedota.
Não só daqui a pouco temos mais anõezinhos que planetas a revolver-se à volta do Sol, pelo andar da carruagem, ainda tinhamos de ter a desgraça de um deles ser o Qu-ao-ar.
Bolas, aquilo dever ser frio por aquelas bandas e ainda por cima ter 1.200 km de Qu-ao-ar olhem que é obra.
Qualquer dia temos algum engraçadinho a dizer que as raparigas de rabo avantajado são todas originárias de Qu-ao-ar e lá se vai a nossa paz de espírito garotas.
A comunidade científica mundial deveria ter mais cuidado com estas coisas, imaginem uma delegação de extra-terrestes decide visitar o sistema solar e depara, mais ao menos à entrada, com uma tabuleta a dizer Qu-ao-ar, já viram só a risada que os nossos amigos cinzentos ou verdes vão dar?
Vai ser uma destas galhofas naquelas naves que sabem logo que não vale a pena levar os terráqueos a sério, não vos parece?
Até porque ninguém se lembraria de ter um Qu-ao-ar numa região de tal forma inóspita do nosso espaço sideral, sob pena de congelarmos tudo o que nos fizer falta para as tarefas do dia-a-dia...
Só visto, que faltinha tremenda de chá por parte dos astónomos e físicos!! Copérnico e Galileu devem andar às voltas na tumba de certeza absoluta!
Concordo com a reclassificação dos satélites do Sol, claro está, até porque é o resultado das novas descobertas científicas, mas incomoda-me ter uma bola de gás algures a planar com este nome tão estranho.
Só de imaginar se o Quaoar rebenta, será que cheira mal??...
Ainda bem que, neste sistema planetário repleto de berlindes, continuamos a ser o terceiro calhau a contar do sol.
Uffffa...!

Fonte: Revista Única nº 1766 do Jornal Expresso 2 Set 2006 (artigo de Nuno Crato)