quinta-feira, agosto 31, 2006

Euforia


cai neve no cérebro vivo do imaculado - dizem
que estes milagres só são possíveis com rosas e
enganos - precisamente no segundo em que a insónia
transmuda os metais diurnos em estrume do coração

dizem também
que um duende dança na erecção do enforcado - o fulgor
dos sémenes venenosos alastra no brilho dos olhos e
um sussurro de tinta preta aflora os lábios
fere a mão de gelo que se aproxima da boca

o vómito da luz ergue-se
das palavras ditas em surdina

a seguir vem o sono
e o miraculado entra no voo dos cisnes
o dia cansa-sena brutalidade com que a voz se atira contra as paredes
abrindo fendas em toda a extensão das veias e dos tendões

quando desperta com o crepúsculo
o miraculado olha-nos fixamente e sorri
dá-nos uma rosa em forma de estilete - fechamos os olhos
sabendo que este é o maior engano
da eternidade

Al-Berto in Horto de Incêndio

Ela...



(…) deitaram-se lado a lado na cama. Ele olhava-a. Ela estava de costas, com a cabeça enterrada no travesseiro, o queixo ligeiramente erguido e os olhos cravados no tecto, e , nessa extrema tensão do seu corpo (ela fazia-o sempre pensar na corda de um instrumento de música e ele dizi-lhe que ela tinha "a alma de uma corda"), viu de súbito, num instante só, toda a sua essência. Sim, acontecia-lhe por vezes (eram momentos miraculosos) captar de súbito, num único dos seus gestos ou dos seus movimentos, toda a história do corpo e da alma dela. Eram instantes de clarividência absoluta, mas também de emoção absoluta; porque esta mulher amara-o quando ela nada era ainda, estivera pronta a sacrificar tudo por ele, compreendia às cegas os seus pensamentos, de tal maneira que ele podia falar-lhe de Armstrong ou de Stravinski, de insignificâncias ou de coisas sérias, enquanto ela continuava a ser sempre para ele o mais próximo de todos os seres humanos…
Depois, imaginou que este corpo adorável, que este rosto adorável, estavam mortos, e disse a si próprio que não poderia sobreviver-lhe um dia que fosse. Sabia que era capaz de a proteger até ao último suspiro, que era capaz de dar a vida por ela.
Mas esta sensação de amor asfixiante não passava de um fraco clarão efémero, porque o espírito dele estava totalmente ocupado pela angústia e pelo medo. Estava deitado ao lado de Kamila, e sabia que a amava infinitamente, mas estava mentalmente ausente como se a acariciasse a uma distância incomensurável, de várias centenas de quilómetros.

Milan Kundera in A valsa do Adeus

quarta-feira, agosto 30, 2006

A boca...



" Examinava a sua doce boca; existia verdadeiramente nela o esplendor de tudo o que é divino; a curva magnifica do curto lábio superior, a suave e voluptuosa languidez do inferior, as covinhas que se formavam no rosto e a cor eloquente, os dentes que reflectiam, com brilho quase ofuscante, o menor raio de luz sagrada, que sobre eles caíam naquele seu sereno e plácido sorriso, que era ao mesmo tempo o mais exultantemente radioso que alguma vez vi."
Edgar Allan Poe in Histórias Extraordinárias
( ode à sua amada Lady Ligeia)

terça-feira, agosto 29, 2006

Amizades coloridas?… Cut the crap!!


O que mudou realmente nas atitudes das pessoas perante os relacionamentos vulgarmente apelidados de amorosos, a ponto de serem re-nomeados de uma forma tão radical?
Há uns anos atrás, não tantos como isso, era-se amigo de alguém, saía-se com essa pessoa, andava-se com ela, ia-se para a cama, e não se perdia nenhuma destas fases, umas não excluíam as outras.
Porque razão se passou do querer muito para o querer quase nada? É tudo preto e branco, não cabem aqui graus de cinzento neste espectro?
Não poucas vezes coloco a questão a diversas pessoas de diferentes faixas etárias, extractos sociais, graus de escolaridade e interesses distintos, a ambos os sexos, hetero ou homossexuais, o que afinal vem a ser esta figura da amizade colorida?
Obtenho sempre respostas mais ou menos desconexas mas uma sai sempre da cartola quando se fala destas coisas: ausencia de compromissos.
Então fico para aqui a moer ideias e analiso o conteúdo semântico da palavra amizade que quer, em suma dizer, afeição, boas relações, dedicação. Amigo é aquele que se quer bem, é a pessoa amigável que destacamos no nosso círculo de conhecimentos e a quem dedicamos o nosso tempo, algum claro, a quem escutamos e que nos escuta a nós, e com quem passamos, de forma divertida e por vezes menos divertida, pedaços, maiores ou menores, da nossa vida.
Há os amigos de infância, os da adolescência e os da idade adulta, cada qual com o seu grau de importância e longevidade, com quem partilhamos interesses diversos em ocasiões distintas.
Então se assim é, porque se pensa que ter amigos não implica ter compromissos com eles?
Fechamos a cara e a porta a um pedido de ajuda? Ignoramos uma ocasião de diversão ou de partilha de coisas menos boas com alguém, porque apenas nos norteia um objectivo?
Existem assim tantos bons amigos e um grau de amizade tão grande e de tanta qualidade, que nos obrigue a compactuar com um sub produto da amizade como é esta de cariz marcadamente sexual, que dá pelo nome de amizade colorida?
Não se faz sexo com os amigos, faz-se com os amantes/namorados (as), etc.. Podem ser amigos também, mas aí apenas porque se quer ir para a cama com eles não se comtempla a premissa do compromisso, no sentido menos trágico do termo?
Porquê?
As pessoas com quem se trocam fluídos corporais são merecedores de uma menor dose de respeito e consideração que aquelas com quem vamos ao cinema, tomar um café, vamos ver um jogo de futebol?
Se assim é porque se passa isto afinal?
Tenho a ideia que só se vai para a cama com alguém quando existe atracção física, química, algum entendimento intelectual de preferencia, experiencia mais ou menos similar, se bem que não é de todo indispensável, mas pelo menos algo que me motive grandemente.
Para todos os efeitos essa pessoa vai ter acesso ao mais íntimo de nós, vai ver-nos sem roupa, sem artifícios, vai ver-nos despenteados, sem maquilhagem, a transpirar, a dizer e a fazer coisas que não admitimos para todos no dia-a-dia, vai introduzir em nós partes da sua anatomia.
Vamos lá dissecar esta ideia.
Não passa pela cabeça de ninguém, suponho eu, que ter sexo com alguém obrigue ambas as partes a contraírem matrimónio, ou a usarem uma aliança de comprometidos, se é que tal ainda se pratica. Seria absurdo, claro.
Porém alguém me explica porque as pessoas se consomem umas às outras pautando a sua existência pelos orifícios do seu corpo? Ou pelos seus instintos sexuais?
Partamos desse princípio, será únicamente por instinto. Então se for assim deveríamos ser um dos povos mais contente e satisfeitos da Europa, porque o sexo sendo bom, provoca uma descarga de adrenalina e de endorfinas capaz de nos colocar nas núvens.
Então porque são tantos os relatos de pessoas insatisfeitas, magoadas, que copulam por hábito, por razões de coleccionismo, por acumulação de experiencias apenas com carácter de uma queca diferente = a uma pessoa diferente?
Não levanto estas questões por ser uma púdica, longe disso, muito longe mesmo. As minhas perguntas têm a ver com um estado de coisas, instituídas a uma escala absurda, que grassa de forma descontrolada, em novos e em menos novos.
Então, digam-me lá, se eu for para a cama com alguém não posso ir ao cinema com essa mesma pessoa, por exemplo? E se essa pessoa não aceitar ir ao cinema comigo por preferir apenas sexo, isso não será o suficiente para mandá-la pastar a cabra para outras paragens?
É que se desejos fossem cavalos estávamos todos enterrados em estrume até às àxilas, não vos parece?
Se ao desejar-se alguém de uma forma únicamente sexual não se estará a cair num erro crasso e a diminuí-la na sua forma de ser e de estar na vida? Não estaremos a perder a oportunidade de realmente conhecer pessoas interessantes e fazer dessas pessoas amigos?
Como se pode imaginar que se troca suor, energias, tempo, desejos, sem haver compromisso com o que essa pessoa sente ou pensa, em algum grau?
De que forma é possível viver únicamente desta forma, tão profundamente solitária e egocêntrica?
Será que as pessoas todas deste país, porque nem quero falar de outras paragens, são assim tão burras, desinteressantes, bacocas, feias, mal vestidas, acéfalas, ordinárias ou falsas que não será possível fazer com elas outra coisa, e desculpem-me o termo, que não seja foder?
Teremos todos, sem excepcção, a absoluta certeza que quem levamos para a nossa cama é assim tão deslumbrante, por fora e por dentro, que só seremos dignos da sua companhia por uma única vez e apenas para desenvolver uma única actividade?
Ou, visto pelo nosso lado, somos assim tão de tal forma únicos e incomuns, possuídores de um carácter fascinante e flamejante, de tirar de tal forma a respiração, que não permitimos que uma outra pessoa partilhe do calor do nosso corpo mais que uma vez ou que disfrute da nossa companhia para nada mais além de sexo, corriqueiro e banal, ou mesmo bom que seja?
Deixemo-nos de tretas! A amizade colorida é o maior embuste que alguém alguma vez se lembrou de inventar, não serve para nada de realmente útil! Até parece que estamos em guerra mundial onde não há tempo nem para limpar armas!
Para quê tanta sofreguidão?
E depois ainda se espera do outro uma enorme dose de complacência quando quase nem se dá tempo para saber o nome verdadeiro, é só rir…
E ainda se assiste a pessoas a perguntar se isso é importante?
Agora porque é que esta figura incongruente, desarticulada e rígida da amizade colorida tem tantos e crescentes adeptos, a ponto de quase ser encarada como uma nova religião, é que eu não consigo perceber.
Alguém, por favor, faz a fineza de me explicar? Ou nunca pensaram nisso?

segunda-feira, agosto 28, 2006

Nonsense total... divirtam-se


O Tempo não perdoa
Este site é um tanto mórbido. É internamente dedicado à morte, contendo um belo obituário fazendo-lhe também uma previsão da data da sua morte e estima-lhe o tempo de vida. Humor negro???

Broncas do século É simultaneamente estranho e hilariante saber que existiram broncas imperdoáveis no passado. Este é o «top» do século XX.

Praguejando em todas as línguas Praguejar ou dizer palavrões é uma das primeiras coisas que se aprende quando se estuda uma língua estrangeira. Este dicionário vai ajuda-lo nesses primeiros passos, para quase todas as línguas à face da Terra.

Nomes cibernéticosQueres ter um nome cibernético? Não é que seja o sonho de uma vida, mas agora já podes! Por ex. se tiveres um nome comum como Maria, podes dizer aos teus amigos que não és uma Maria qualquer, mas sim uma "M.A.R.I.A.: Mechanical Artificial Rational Infiltration Android". UAU!!

O fim? Quando e como?A pergunta que a maioria deseja não ver respondida tão depressa! Mas se quiseres... preenche o pequeno formulario que esta página desponibiliza et voila: O como e quando cagas o patáu... bates as botas... vais desta pra melhor... enfim... morres!

As asneiras de Bush Todos sabemos que George W. Bush não é um politico com o dom da palavra e que tem tendência a dizer asneiras. Nesta página encontram-se algumas das melhores calinadas do Sr. Presidente, catalogadas por assunto.

Estranho mas verdadeUm portal português dedicado à compilação de um vasto espólio de imagens e fotos que circulam na Internet. Este excelente repositório de imagens bizarrias, tem também milhares de anedotas e dados estranhos, sendo frequentemente actualizado. Não deixe também de verificar o fórum.

Que estranhoEste site contém uma enorme galeria de montagens fotograficas espectaculares e muito... estranhas!

Filmes em 30 segundosO autor deste site conseguiu reduzir a flashs de trinta segundos alguns dos mais importantes clássicos do cinema. E o mais engraçado é que quase nada falta em relação ao enredo original!

Fonte : http://ladonegro.net
A imagem foi retirada daqui http://calvinhome.androlas.com/total.html

A velha querela da confiança: O Mitómano


O ano passado, por volta desta altura, adquiri o livro "Pequeno tratado das preversões morais", do psicanalista e psiquiatra Alberto Eigner (Climepsi Editores), o qual devorei numa tarde, voltando às suas páginas sempre que se justifique, nomeadamente quando conheço pessoas com características peculiares na sua personalidade.
Diz-nos o renomado psiquiatra que todos nós nas nossas vidas comuns nos cruzamos com indivíduos, cito, "sem escrúpulos, calculistas, astuciosos, manipuladores, com condutas algo "retorcidas"" e muitos de nós já se sentiram enganados, explorados, manobrados.
Este autor, na introdução da sua obra, lança-nos o repto de não condenar estes comportamentos mas antes tentar entendê-los, por forma a podermo-nos proteger destes vilões, reforçando a ideia de que "contra os velhacos é preciso sê-lo mais ainda".
Considera, pois, conveniente conhecer o perfil destes "monstros comuns", ajudando-nos a identificá-los rápidamente.
Distingue que, um dos traços dos preversos morais é a sua capacidade de argumentação, encontrando sempre uma boa razão para justificar os seus actos, onde a dominação e a influencia levam o seu alvo a ser submetido, pouco a pouco, procurando apagar sempre o que este tem de singular, levando-o a acreditar nas vantagens da relação e tornando-o cúmplice por algum tempo.
Da "galeria de monstros" de Eigner saliento, por agora, um: o Mitómano.
O Mitómano urde uma " personagem valorizada, tomada de outrém ou inspirada nas suas leituras e adere a esta ficção com tal determinação que consegue convencer os outros", citei.
Pode revestir duas características: o sedutor e o preverso.
O sedutor é neurótico e histérico e pensa que os outros não se interessam por ele genuinamente, sente-se por isso "castrado" e a mentira permite-lhe ultrapassar esta neurose.
O preverso experimenta grande prazer em enganar o outro, aniquilando-o, retirando algum conforto no seu sentimento de omnipotencia. Obtem igualmente um enorme júbilo em confessar a sua impostura à sua vítima, vendo-o sentir-se ridículo, infeliz, perturbado com a revelação. Ele sabe, interinsecamente, que a confiança desarma por isso engoda a sua presa por meio de sedução.
O Mitómano na realidade não se sente nunca feliz por ser quem é e, ao tentar aproximar-se do seu Eu ideal, adopta a personalidade de outra pessoa.
Habitualmente são muito inteligentes e mimetizam-se na perfeição, porém a sua máscara cai ao serem confrontados com a realidade e quando, através de questões, são confrontados com a verdade expondo as suas contradições e incongruencias.
Temos como exemplo acabado de Mitómanos os falsos profetas ou fanáticos religiosos e os políticos sem escrúpulos os quais se vêm como iluminados.
A imagem foi recolhida num artigo que aborda a mitomania e a sua relação com a arte http://www.masc.org.br/conteudo.php?item=105