domingo, setembro 10, 2006

Os domingos...


Hoje é domingo, o dia nasceu claro e quente, repleto de memórias de outros tempos. Talvés tenham sido despertadas pelo cheiro do rio, ali mesmo em baixo, quando abri a janela do meu quarto ou porque é o dia em que a família se reune habitualmente.
Como noutros tempos...
Despertaríamos cedo e a azáfama da minha mãe na cozinha a embalar sandes, fruta, refrescos e a preparar o pequeno almoço, era interrompida apenas para nos beijar na façe e ao meu pai nos lábios, carinhosamente mas de fugida, havia tanto a fazer...
Era dia de praia. O dia de ontem, sábado, também o era mas o meu pai andaria ocupado nas suas pescarias e pouca companhia nos fazia. Íamos para a barra do rio Kuanza ou para a solitária praia de Cabo Ledo, situados no parque natural do Kuanza, a vários quilómetros de Luanda.
Hoje domingo o dia seria diferente. Disfrutaríamos da praia da Ilha de Luanda, do seu sol e calmaria, da companhia dos amigos, dos jogos de bola na areia branca e quente.
As ondas seriam altas e eu, sempre destemida e louca pelo mar de àguas frias, estaria lá no topo, feliz de olhos fechados, deitada de costas, para depois os abrir e encher de azul celeste os meus neurónios e sentir nos lábios o sal daquelas àguas.
Despertava com os chamados da minha mãe a pedir que saísse da àgua ou porque se assustava com esta criança destemida ou apenas para irmos comer alguma coisa.
A minha irmã, muito mais nova que eu, sempre distante e fechada, abria-se em sorrisos desdentados quando lhe pegava na mão e íamos caminhar um pouco na areia à procura de tesouros, prometia-lhe eu.
Descobriamos deslumbradas em cada ressalto do mar, debaixo da espuma das ondas, conchas e búzios, estrelas do mar, mas eu não gostava de as levar comigo por preferir vê-las ali, enquadradas.
O sol queimava-nos as costas, a maresia invadia-nos os sentidos, a areia fazia música em cada passo dado.
Éramos felizes, estávamos todos juntos naqueles dias em particular, na cidade que me tomou o coração para sempre.
As minhas memórias e muitas fotos que o meu pai guarda na sua casa, são o que me resta desses tempos.
São o meu canto particular paradisíaco para onde fujo aos domingos de manhã, seja inverno ou verão, e que me fazem engolir em seco, a pressão na garganta é muita, a vontade dos olhos é deixar cair as lágrimas, mas os sorrisos bailam distraídos quando me lembro das sandes e das laranjadas, dos gritos divertidos da minha mãe quando o meu pai lhe atirava com a bola cheia de areia, e a minha irmã, ainda muito pequena, que vacilava ao caminhar com os caracóis loiros ao vento, e o mar... aquele mar.
Olho para eles todos e bebo-lhes as feições, uma a uma, e penso que nunca serão tão meus como foram outrora, naqueles domingos de praia, completamente perfeitos, há muitos mesmo muitos anos.

4 comentários:

Paulo disse...

A vida não recua nem se retarda no ontem....
Que estranha forma de vida...a que se fixa na nostalgia do pretérito dos dias.....
Obrigado pelo comentário....a pureza não existe...!!!

Shaktí disse...

Não é uma fixação é talvés um recuo estratégico recorrer à nostalgia.
A pureza existe but not today...
Obrigada pelo seu comentário

Anónimo disse...

Nunca estive em Angola... Mas este retrato dos domingos fêz-me viajar no tempo.... e reencontrar os meus retratos dos domingos!!!!

Shaktí disse...

Fernando: ainda bem que te ajudei nesse processo de viajar no tempo ao encontro das menórias felizes.
Obrigada pela tua visita