Hoje é domingo, o dia nasceu claro e quente, repleto de memórias de outros tempos. Talvés tenham sido despertadas pelo cheiro do rio, ali mesmo em baixo, quando abri a janela do meu quarto ou porque é o dia em que a família se reune habitualmente.
Como noutros tempos...
Despertaríamos cedo e a azáfama da minha mãe na cozinha a embalar sandes, fruta, refrescos e a preparar o pequeno almoço, era interrompida apenas para nos beijar na façe e ao meu pai nos lábios, carinhosamente mas de fugida, havia tanto a fazer...
Era dia de praia. O dia de ontem, sábado, também o era mas o meu pai andaria ocupado nas suas pescarias e pouca companhia nos fazia. Íamos para a barra do rio Kuanza ou para a solitária praia de Cabo Ledo, situados no parque natural do Kuanza, a vários quilómetros de Luanda.
Hoje domingo o dia seria diferente. Disfrutaríamos da praia da Ilha de Luanda, do seu sol e calmaria, da companhia dos amigos, dos jogos de bola na areia branca e quente.
As ondas seriam altas e eu, sempre destemida e louca pelo mar de àguas frias, estaria lá no topo, feliz de olhos fechados, deitada de costas, para depois os abrir e encher de azul celeste os meus neurónios e sentir nos lábios o sal daquelas àguas.
Despertava com os chamados da minha mãe a pedir que saísse da àgua ou porque se assustava com esta criança destemida ou apenas para irmos comer alguma coisa.
A minha irmã, muito mais nova que eu, sempre distante e fechada, abria-se em sorrisos desdentados quando lhe pegava na mão e íamos caminhar um pouco na areia à procura de tesouros, prometia-lhe eu.
Descobriamos deslumbradas em cada ressalto do mar, debaixo da espuma das ondas, conchas e búzios, estrelas do mar, mas eu não gostava de as levar comigo por preferir vê-las ali, enquadradas.
O sol queimava-nos as costas, a maresia invadia-nos os sentidos, a areia fazia música em cada passo dado.
Éramos felizes, estávamos todos juntos naqueles dias em particular, na cidade que me tomou o coração para sempre.
As minhas memórias e muitas fotos que o meu pai guarda na sua casa, são o que me resta desses tempos.
São o meu canto particular paradisíaco para onde fujo aos domingos de manhã, seja inverno ou verão, e que me fazem engolir em seco, a pressão na garganta é muita, a vontade dos olhos é deixar cair as lágrimas, mas os sorrisos bailam distraídos quando me lembro das sandes e das laranjadas, dos gritos divertidos da minha mãe quando o meu pai lhe atirava com a bola cheia de areia, e a minha irmã, ainda muito pequena, que vacilava ao caminhar com os caracóis loiros ao vento, e o mar... aquele mar.
Olho para eles todos e bebo-lhes as feições, uma a uma, e penso que nunca serão tão meus como foram outrora, naqueles domingos de praia, completamente perfeitos, há muitos mesmo muitos anos.
4 comentários:
A vida não recua nem se retarda no ontem....
Que estranha forma de vida...a que se fixa na nostalgia do pretérito dos dias.....
Obrigado pelo comentário....a pureza não existe...!!!
Não é uma fixação é talvés um recuo estratégico recorrer à nostalgia.
A pureza existe but not today...
Obrigada pelo seu comentário
Nunca estive em Angola... Mas este retrato dos domingos fêz-me viajar no tempo.... e reencontrar os meus retratos dos domingos!!!!
Fernando: ainda bem que te ajudei nesse processo de viajar no tempo ao encontro das menórias felizes.
Obrigada pela tua visita
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