sábado, outubro 21, 2006

Singularidades


“Só posso crer num deus que saiba dançar.”
Nietzsche



- Janta comigo – dizia tão sómente a sms no telemóvel dela.
Parecia um convite simples, singelo, algures entre o mero desejo e a urgência de companhia.
O programa proposto era jantar, assistir a um filme e dormir, se quisesse, em casa dele.
Conheciam-se há pouco tempo, falaram algumas vezes na net, tomaram um café apenas. A conversa gerada nesse encontro foi inteligente, intimista, directa, algo profunda para uma primeira vez entre duas pessoas estranhas e de idades tão distintas.
Ela demorou a aceitar um segundo encontro não por desconfiança ou por ter desgostado dele, mas apenas por antecipar algum tédio subjacente, ou por lhe cheirar a sangue de feridas recentes.
O sangue fresco das feridas dos outros começava a causar-lhe alguma repugnância ou seria apenas por já não lhe apetecer ser mais amiga de ninguém de uma forma singular, algo parecido com um self-service de um prato só.
Foi ter com ele, a conversa desenrolou-se amena como da primeira vez, as ideias eram compreendidas por ambos sem explicações desnecessárias.
O filme correu por alguns minutos e a aproximação dos dois corpos na semi-escuridão da sala abafada, provocada por ele de forma subtil mas persistente, não foi negado por ela, não correspondeu nem fugiu, deixou-se ficar.
Alguma doçura da parte dele, porém, motivou-a . Não foi ali para ter sexo; talvez tenha sido ingenuidade da parte dela, talvez se sentisse curiosa ou apenas aborrecida naquele final de semana.
Jogaram-se as palavras, atiradas como confidências, dividiram anseios e preocupações sobre a vida, sobrevoou-se o passado... é tabú tocar no futuro.
Beijaram-se e tocaram-se horas a fio, ávida ou lentamente. Ela, mais velha ou mais experiente, apreciou ter nas mãos um corpo masculino ainda habitado por aqueles pequenos complexos ou medos próprios de quando somos mais jovens e nos vemos perante algo que nos desafia.
O cabelo dele era macio, a pele quente, o cheiro dele emanava ainda alguma pureza, difícil de encontrar em homens mais velhos, os gestos doces, excitados mas sem artifícios.
Ajudou-o a descobrir, calmamente, recantos no seu corpo que haviam sido negligenciados até então. Arrancou-lhe sensações, arrepios, risos nervosos.
Ele perguntou-lhe se ela era feliz e abraçou-a fortemente ao escutar a resposta... afinal eram dois naúfragos.
Os momentos vividos naquela noite pareciam querer congelar o tempo; certas horas são mais perfeitas que outras é natural que as queiramos registar nas nossas mentes, mesmo que a realidade posterior se encarregue de desmentir, implacávelmente, essa perfeição.
Quando o sexo estava eminente a sua mente já não estava ali, o corpo ia disfrutando de alguma da intimidade gerada, mas ela sentia-se desligada dele, como se sentia de todos os outros.
O sexo e a sedução, o erotismo e o mistério, deixaram de estar interligados, caíndo compartimentados como se tivessem sido dispostos em alumínio alveolar. Não caminhavam mais de mãos dadas.
Maquinalmente ajudou-o na tarefa de colocar o preservativo, brincando com algum do nervosismo da ocasião. Ela desceu à terra por momentos, apenas o suficiente para lhe mostrar que este momento também pode ser diferente e divertido.
Sentiu a penetração e assistiu ao orgasmo dele como quem assiste a um facto consumado que já pouco lhe diz, como quem admite, enfadada, que certas coisas são quase sempre todas iguais.
Ou reflecte apenas que o amor aprende-se e ensina-se com o tempo, ou simplesmente reaprende-se no corpo do outro. Mas não há tempo os desejos vão ser aniquilados no despertar da manhã seguinte; os príncipes de uma noite só tendem a ser os sapos do raiar da aurora, é um facto da vida e não podemos querer ensinar tudo a alguém.
Claro que ela pode interromper este interminável ciclo já que sexo com alguém não passa de uma forma de estar consigo mesma mas em stereo.
São precisos 2 para dançar, é verdade, mas terá deixado de se interessar por este baile inconsequente dos corpos, em mais uma valsa, em mais um tango de uma só partitura?
Conjugar os verbos no singular ou existir em estado de singularidades terá atingido um ponto de total aborrecimento na vida dela, em que dançar sózinha não se distingue do fazê-lo acompanhada?
Ou ter-se-à aborrecido de dançar mal e com maus executantes ou simplesmente negligentes?
Terá perdido em algum atalho deste processo a capacidade de ouvir a bela música dos corpos e apenas se apercebe dos autismos?
Ou deixou simplesmente de acreditar nos delicados acordes produzidos pela sintonia das almas quando as bocas se procuram, em puro acto de desejo?Provavelmente ela apenas pensa que é já demasiado tarde para continuar a fazer coisas inúteis com a sua vida.

12 comentários:

Anónimo disse...

Ha!!! Bem escrito!!!!
Aproveito para ligar este post ao anterior..."A conversa gerada nesse encontro foi inteligente, intimista, directa, algo profunda para uma primeira vez entre duas pessoas estranhas e de idades tão distintas." São estes pormenores que nos levam a escolher um determinado parceiro e não outro!!! Por muito fortuito que seja o encontro...O envolvimento emocional e não só físico....
Quanto á discrição... está perfeita... Os encontros gerados na Net.... Os sentimentos envolvidos... O acordar... vazio outra vez!!!!!

António disse...

Uma escrita "quente" para absorver palavra a palavra.
Bem escrito.
**

Shaktí disse...

fernando: esta leitura do encontro é óbviamente feminina, a masculina é bem distinta. Se existiu alguma atribuição de importância aos aspectos emocionais estes foram dados pela mulher envolvida na situação. A leitura masculina não contemplou nenhum destes factores.

Reporter: tentei não que fosse "quente", porque sabes o quanto é ténue a fronteira entre o que é erótico e o pornográfico, mas que fosse entendida a situação passo a passo, à medida que os intervenientes eram tocados pela experiencia comum; espero ter logrado esse efeito.

Anónimo disse...

Como homem (e sei que vais dizer que é a resposta típica de um) acho essa uma leitura individualista e individual... não te conheço nem a ti nem a ele... mas penso que se calhar não houve da parte dos dois uma procura de novo contacto e acabaram por se afastar deitando, provavelmente, as culpas para cima um do outro. Mas é como te digo não conheço nem um nem outro... por isso posso estar enganado...

Anónimo disse...

Concordo que esta leitura seja feminina, e que haja outra masculina. Mas diz-me a minha experiência de vida, que cada vez mais essas leituras estão mais próximas uma da outra!!! Talvez porque os homens estão mais atentos aos sentimentos, (vocês, tanto nos deram na cabeça...que foi entrando qualquer coisa) ou porque a mulher se sente mais independente, mais livre, e está a tomar um papel mais activo na sociedade, (FELIZMENTE).
Mas continuo a pensar que os sentimentos são o mais importante nas escolhas, nem que sejam escolhas de uma noite só!!!!
Quanto ao "quente" não vejo onde....

Shaktí disse...

Bruno: Não devias partir do pressuposto que o que está relatado nesta história se passou pessoalmente comigo, aliás quando a experiencia é pessoal, normalmente digo-o. Quanto ás motivações das pessoas desconheço quais foram e as separações acontecem assim mesmo: nenhuma das pessoas estava interessada numa relação com a outra.
Aliás esse pacto é muito comum nos nossos dias, em que homens e mulheres dizem logo uns aos outros, mal sabem o nome próprio do parceiro, que não andam "à procura" de nenhuma relação.

Fernando: Lamento discordar, as leituras vão ser sempre diferentes e duvido que alguma vez sejam convergentes, seja isso positivo ou negativo, não me cabe a mim falar pelos outros. Agora podes é pensar que homens e mulheres se apróximaram porque ambos têm comportamentos aparentemente idênticos - um espelho disso é a crecente liberalização sexual feminina, ostentada por vezes de forma agressiva - mas sempre irão olhar a mesma realidade através de distintas prespectivas, por vezes até diametralmente opostas.

Anónimo disse...

os advérbios não se acentuam e talvés escreve-se talvez.nem todos podemos ser escritores, por isso ás vezes mais vale estar quieto. quanto ao resto acho que podias enviar para a "Maria" eles gostam deste tipo de histórias.

Shaktí disse...

João: eu não sou leitora da "Maria" mas pelos vistos tu sim.
Os bloges não são para os escritores, muito menos em exclusivo, por isso encontras-te fora de contexto. Como crítico literário estás a perder-te por aqui...

Anónimo disse...

TALVEZ me esteja a perder por aqui, sim. Pelo menos tempo eu perdi. Mas só pelo facto de ser um BLOGUE, não quer dizer que se deva escrever com erros, foi apenas um reparo, mas vejo que tolerância e capacidade de encaixe não abundam por aqui. TALVEZ um dia consigas aprender o significado dessas palavras. Quando há dúvidas, devemos utilizar um dicionário, por exemplo vias lá os advérbios sem acento e TALVEZ escrito propriamente (sem acento). Assim já não damos erros e simultaneamente (outra vez sem acento) aprendemos coisas novas.
Respeitosos Cumprimentos (mais uma vez sem acento)

Shaktí disse...

João: estás a fazer de um pormenor sem importância um enorme cavalo de batalha, sem que eu veja a razão do porquê. Além do mais aqui não se contabilizam poderes de encaixe. Naturalmente que aceito os reparos quanto às questões ortográficas, até agradeço porque no correr da pena ao escrever nem sempre tudo sai direitinho. O teu comentário, porém, não ficou por aí, quiseste fazer uma crítica literária que dispenso, tanto mais ao atribuir-lhe um lugar numa publicação desprezível . Estes espaços não se constroem com o intuito de ganhar prémios Pulitzer, são espaços de desabafos pessoais e nada mais. Se tens material de qualidade para exibir só teremos a ganhar em lê-lo, para isso cria tu próprio um blog e divulga o endereço, serei a primeira a visitá-lo com gosto. Agora se não gostas de críticas nem as aceitas, mas gostas de as fazer, ainda mais em tom provocatório, posso assegurar-te que as tuas visitas a este espaço são dispensáveis.
A tolerância é um caminho com dois sentidos, não sei quem és nem tão pouco me interessa, vieste aqui e perdeste o teu tempo a ler porque quiseste, ninguém te convidou e não serás bem vindo enquanto a tua postura for de intolerante pseudo-intelectualidade.
Até porque se não gostaste do que leste, o que respeito profundamente, ou ao concluir que escrevo de forma que te mexeu com as entranhas, simplesmente abandonavas o espaço que tanto te incomodou e esquecias o assunto.
Devolvo-te os cumprimentos que me endereças os quais, vindos de ti, de todo são sinceros.

Anónimo disse...

Não são pretensões pseudo-intelectuais. Faz-me confusão ver português mal escrito e mal tratado. Não fui eu que fui intolerante, foste tu, porque quando te critiquei respondeste da forma que se viu. Mas está descansada não voltarei cá, porque para perder tempo com mediocridades já me basta o dia a dia. Não tens pretensões ao Pulitzer, felizmente acrescentaria eu porque se algum dia te fosse atribuído este mundo estava perdido. Tenho a acrescentar que em 10 anos de trabalho numa editora de livros, nunca vi uma pessoa que aceitasse tão mal as críticas que lhe são feitas, escrevendo da forma como tu escreves

Shaktí disse...

João: olha que chatice não voltares cá mais...!! Agressividade como a tua não é aqui bem vinda, ninguém te chamou e faz-me o favor de não voltares MESMO. Ter-me-ei feito entender??