quinta-feira, dezembro 07, 2006

Sandra ligou-me...


... na quinta feira de tarde.
...
Faz parte das minhas tarefas receber manuscritos na editora. Fiquem tranquilos, não os leio, não passa por mim a decisão de os publicar ou rejeitar, mas atendo as pessoas que cheias de anseios e esperanças, com talento ou sem ele, querem ver as suas obras publicadas.
Normalmente são pessoas chatas e aborrecidas mas, de quando em vez, alguma merece uma maior atenção e até carinho, não obstante para elas eu significar o mesmo que Deus para as cigarras, ou seja, rigorosamente nada.
Sandra contacta a editora porque quer submeter o seu manuscrito à apreciação para averiguar se existem possibilidades de publicação. Estive ao telefone com ela todo o tempo disponível que pude arranjar. E com prazer o fiz.
Sandra nasceu com o nome de João e é um ser em transformação, provavelmente tão mulher por dentro como eu o sou por fora, apenas não lhe calhou em sorte o género que deseja e arrasta, com pesar, uma existência num corpo masculino que a atormenta e castra.
Não é vulgar eu dar demasiada importância a quem ambiciona publicar um livro, afinal convivo com tantos e com tanto gosto. Contudo muitas são as histórias caricatas de autores conceituados que toda a gente, ou quase, lê e se deslumbra e na verdade são pessoas egocêntricas e vaidosas e sem o mínimo de consideração pelo seu semelhante. Outros, inversamente, são tímidos e mesmo vendendo livros como se vendem farturas em barraca de feira no dia da procissão, mantêm um ar sereno e cheio de respeito pelo enorme trabalho de bastidores que envolve a promoção, divulgação e publicação de um livro.
Por isso falar com Sandra foi tão bom. Alguém que assume a sua transexualidade e diz que sofre e quer contar porquê acreditando que, ao divulgar a sua experiência, poderá ajudar alguém que, como ela, luta todos os dias da sua vida, todos os minutos, todos os segundos, para ser olhada como um ser humano nomal, como eu e como tu.
Dei-lhe toda a atenção que mereceu porque me tratou como gente, disse-lhe tudo o que me ocorreu que a pudesse ajudar a tornar o seu livro atractivo aos olhos que quem o vai analisar, dei-lhe todos os conselhos que me lembrei e, por mim, desejei ver o seu manuscrito publicado fosse em que editora fosse.
Dirigi-me a ela usando o nome pelo qual ela vai passar a ser conhecida após o processo, que me explicou com detalhe e muita paciencia, ficar concluído, porque ela se dirigiu a mim chamando-me pelo meu nome próprio, que tratou logo de saber, mesmo tendo conhecimento que em nada poderia influenciar os trâmites internos de publicação. Tratou-me com respeito e consideração, foi humana e entendeu as minhas limitações profissionais e com isso obrigou-me a despir a minha couraça.
Ofertou-me quase uma hora de imenso calor humano e de uma vivência, de longe, bem mais complicada que a minha.
Quase senti vergonha de andar sempre a caminho do meu muro das lamentações.
...
Não te chamas Sandra nem nasceste João, como aqui está escrito, porque me pediste que fosse discreta e que não esquecesse a regra da confidencialidade, mas não consegui deixar de considerar importante que a tua história fosse contada e que a tua àrdua luta e enorme força de viver visse a luz do dia sob a forma escrita como tanto ambicionas.
Mesmo sabendo que não me vais ler não quis deixar de te prestar tributo como tua irmã, não em género nem de sangue, mas de espírito.
Tens razão o filme Transamérica é importante ser visto e entendido.
Boa sorte para a conclusão do curso de Filosofia e para a publicação dos teus textos e...muito obrigada por existires.
Agradecimento: permiti-me "roubar" mais uma foto do site 1000 imagens. Desta feita a foto é de Victor Melo e intitula-se "Forças"

10 comentários:

António disse...

Nesse caso, serviste de elo de ligação entre a vergonha (?) e a vontade de vencer (!).
Percebo bem as reticências da "Sandra" e a tua vontade de ajudar.
Qual é o problema de um transexual publicar um livro? Ou será que por ter essa característica fica catalogado, pela negativa, desde logo?
Não precisas, Shakti, da minha opinião. Mas permito-me dizer que fizeste muito bem.
Venha de lá o livro e o teu apoio.

Um beijinh, Shakti

Shaktí disse...

reporter: na realidade mesmo que todas as pessoas do mundo chegassem à conclusão que o meu apoio a "Sandra" era despropositado, tê-lo-ia dado na mesma. Claro que na publicação de um livro não devem pesar as características do autor, físicas ou outras, por exemplo, apenas o talento deveria ser tomado em linha de conta, isto é, a capacidade de contar bem uma boa história.
Mas nós sabemos que nem sempre é assim...
Um beijo para ti

Anónimo disse...

claro que o que interessa para o livro é se escreve bem ou mal.
mas também é claro que o que interessa´para a vida é a coragem de a viver, nem que tenha de contrariar o mundo!

abreijos camarada no primeiro dia em que acordámos sem o carniceiro do chile vivo!

Shaktí disse...

antónio: sem dúvida saber que o mundo está limpo de mais um carniceiro só deveria ser motivo de festejos. Ironia: ele morre de ataque de um orgão que nunca teve a funcionar, não em termos morais ou espirituais.
Quanto a "Sandra", acabei de receber o manuscrito dela, vou tentar "vendê-lo" à editora como se meu fosse. Espero que resulte!

Anónimo disse...

se editarem o livro dela, avisa ok?

Shaktí disse...

antonio: aviso sim amigo!

Anónimo disse...

Era optimo se o mundo fosse sempre assim... sem preconceitos, apenas com pessoas que se ouvem!!!!

Shaktí disse...

fernando: nem todos se ouvem porque nem todos se dão a esse trabalho. Depois, provavelmente, é tudo uma questão de sensibilidade, não que eu seja mais sensível que a maioria, apenas estou, quem sabe mais atenta e mais solidária em relação a alguns temas.

Anónimo disse...

É verdade, para alem de serem pessoas normalissimas, no meu ponto de vista, não mordem e a mim, particularmente, dão-me um enorme prazer. E digo a mim, porque sou bissexual e sinceramente não ha nada tão excitante como ter uma especie de dois em um por perto, a percorrer cada contorno do nosso corpo, ou seja uma autentica mulher mas com pau, ja que as mulheres são tesudas como ninguem, mas infelizmente não tem um pau para foderem homens, ou foderem-se entre elas.
Claro esta, que para muita gente, preconceituosa, como não podia deixar de ser, este ainda e um assunto tabu, mas para outra, não e bem assim.

A um nivel fetichista os Shemales são como autenticos monumentos, uma verdadeira obras de arte, para quem gosta de apanhar no rabinho e não so...
Quem não gostava de experimentar estar com um? Mesmo que fosse so por curiosidade. Conheco algumas pessoas que sonham com isso dia e noite, que batem punhetas a pensar nisso e mais, vem-se a pensar nisso. Fantastico! É uma verdadeira loucura!
Alguns são tão perfeitinhos que parecem mais mulheres que algumas mulheres. Um autentico Luxo. O que Desejam mais?
Com cabelos longos, caras femininas, mamas grandes, rabos maravilhosos, roupas Sexys e saltos altos...Adoro ve-los!

Nunca tive oportunidade de estar com um, mas se tivesse, não a desperdicaria de certeza!
Pensem nisso!
Ah! Estou aberta a futuras propostas...

E Que o pecado more sempre nas vossas cabecas. Amen!

Shaktí disse...

vera: não me parece ser este o local indicado para receberes propostas deste tipo ou outro qualquer; para tal acontecer a blogosfera é infinita e sempre podes criar um blog específico para ti.