Abraçei um novo projecto de trabalho há apenas alguns dias. É interessante, estou rodeada de livros e de gente que parece inteligente e enérgica.
Seria um bom princípio de conversa...
Mas costuma-se dizer que quando está tudo bem não há nada a dizer, apenas se fala quando alguma coisa corre menos bem.
Realmente é o caso... Parece estar tudo mais ou menos bem na minha vidinha comum, trabalho como uma moira, o que me agrada muito, nenhum problema de saúde, o dinheiro é sempre pouco para fazer tudo o que gostamos mas vai-se levando, resignamo-nos a tudo.
E é exactamente nestas alturas em que tudo parece calmo que as surpresas acontecem, ainda por cima daquelas que não gosto nada que aconteçam.
São ocasiões de ansiedade, quando olhamos em redor de nós mesmos e o tempo parece que parou, vemos que temos quase tudo para ser felizes mas não somos.
Como diz a canção da Alanis "it's like ten thousand spoons when all you need is a knife... "....
Por vezes podemos dizer que quase temos algo que muito desejamos a um sopro de distância, mas não passa de uma islusão.
Temos amigos, um tecto que nos cubra à noite, dinheiro suficiente para comer 3 vezes ao dia, abrimos o armário e temos alguma roupa, temos paz no país, os livros todos do mundo, o saber dos mais velhos... mas não somos felizes...
Temo-nos a nós mesmos, a nossa bagagem de vida, a inteligência e sensibilidade para distinguir o bem do mal, mas nada acontece...
Alguém num canto qualquer do mundo pensa em nós e envia-nos um mail idiota de uma corrente tola, mas lembrou-se de nós e sorrimos... então porquê tanta melancolia?
Envergonha-me pensar nos males do mundo e eu assim em eternos suspiros em tom de azul...
Porém quando me viro para dentro de mim e me perco de amores pelo meu próprio umbigo, dói-me fundo por tudo o que me faz falta.
Continuo a acreditar na espécie humana, não obstante o que dizem os piores prognósticos, mas não me sinto completa...
Sou como uma unha bonita sem verniz, um pente para um careca, um aparelho eléctrico em falta de corrente, uma chave de porcas quando queremos apertar um parafusito, sou como uma bela canção para um mudo, um cambiante de cor para um cego.
Sou tudo e não sou nada, sou um todo sem utilização, uma rebelde sem causa.
Se alguém me tenta surpreender com palavras de amor vejo ali um presente fora de estação e com o preço ainda pendurado, vejo histórias da carochinha, vejo o sadismo devoluto das perdas de tempo.
Nestes dias em que tudo vai bem, quase tudo tão bem, sou um croqui de gente, qual fantasma rabiscado num castelo em parte incerta.
Sou eu, olho-me e conheço-me mas não me reconheço, pergunto por mim, espero ouvir a música do costume a soletrar o meu nome, mas nem por esforço de imaginação me tenho coesa.
Estou tão bem, sou tão eu, mas não me encontro nem me tenho desaparecida, estou aqui mas não sinto nenhum calor, nem morri nem estou viva, podia ser uma coisa qualquer mas não sou nenhuma delas.
Sou o barro da minha vontade seco e quebradiço nas mãos trémulas de um escultor em fase terminal.
Sou um sangue sem cor, uma vontade sem aço, um desassossego sem pressas, uma corrida sem ar, um bilhete caducado para Nova York...
"Life has a funny way of sneaking up on you
Life has a funny, funny way of helping you out
Helping you out..."
Isn't it ironic ... don't you think?...
7 comentários:
Como te entendo..
Mas "after the sun comes rain, after the rain comes sun again.." , mesmo quando não há grandes motivos para chover ou fazer sol :)
Quanta desesperança a vaguear por dentro de uma personagem com palavras tão profundas.
Será que não vendem mais bilhetes?
Depois de tomada esta liberdade e para responder ao comentário(em nome do Projéctor grupo de teatro)quero acrescentar que estamos há muito tempo a trabalhar com elementos extra bairro. E que presentemente andamos em busca de mais boas almas para este nosso novo projecto.
"A boa alma de Setsuan" de Brecht.
E quem sabe...pudesses atenuar essa falta de esperança no teatro?
Desculpa o incómodo.
Ratchim: sim o sol também brilha entre as nuvens mais negras.
Projector: é que Nova York é o meu destino de eleição para uma férias, nunca fui imagina se deixasse caducar um bilhete...
O teatro enche-me a alma é uma das minhas artes preferidas, seria um prazer passar da assistência para o palco, se bem que não sei se teria queda para a coisa.
Nunca incomodas passa por aqui sempre que queiras será um prazer para mim.
Obrigada pela vossa participação.
...and most of all never, ever, doubt of yourelf.
alien: vou tentando...
Li este post no dia da publicação... Apeteceu-me responder... Mas nada saiu.... Li-o várias vezes... Reflecti.... E agora quando o voltei a ler... vejo-me neste texto á alguns anos atrás.
A nossa raça tem uma certa tendência para a insatisfação... mais ...mais... e nunca chega.... De centralizar o mundo no nosso umbigo....
A cura: Dar-me aos outros... comecei a fazer serviços de voluntariado, numa Ipss... Resultou!!! Sinto-me bastante melhor por ter dividido o que tenho. Eu!!!!
Fernando: eu tembém faço trabalho de voluntariado ou fiz durante algum tempo, acreditas que muitas organizações rejeitam chegam a rejeitar a oferta de voluntariado? Incrível mas é verdade, por isso se souberes de alguma que necessite por favor deixa aqui o contacto ou responde-me para o e-mail do blog.
Durante o pouco tempo que o fiz adorei a experiencia, foi muito gratificante, descentralizou-me e reduziu-me à minha insignificância.
Um beijo.
Enviar um comentário