Acordei sobressaltada, devia ter estado a gritar ou a falar, ou ambos, a dormir.
Já não me acontecia isto há algum tempo, parece que a cabeça anda a mil à hora, rodopiando cheia de pensamentos sem parar.
Tentei em vão voltar a adormecer e, sem o conseguir, pensei vir escrever um pouco. Escrever sempre me acalmou, talvés resulte agora também.
Devo ser como os miúdos pequenos que não conseguem adormecer depois de ver um filme de terror, e eu que sempre fui fã do género estes começaram, desde há algum tempo, a perturbar-me, vai-se lá saber porquê...
Quando era mais nova consumia filmes de terror e parecia quase viciada naquelas emoções, como um "rush" emotivo que não conseguia encontrar em mais lado nenhum. Porém, agora, deixaram de fazer sentido, talvés não própriamente as películas em si, mas antes a busca perpétua de emoções díspares e fortes, quase primitivas, como são o medo, a acelaração artificial do sistema nervoso provocada por um excesso de adrenalina que me entrava pelos olhos adentro.
Fiquei a pensar nisso e nos terrores do dia a dia, os terrores reais e não imaginários que podem ser muito diferentes uns dos outros.
Revestem a forma, por exemplo, de um trabalho complicado que possa ter em mãos, a vontade prepétua de deixar de fumar aliada ao receio de vir a sofrer com as doenças inerentes ao tabaco, a falta de tempo e de verbas para realizar sonhos antigos, a ausência prepétua de alguma coisa que não consigo explicar, a falta de vontade de sair desta dormência quanto a relacionamentos pessoais, e tantas outras coisas.
São terrores diurnos, máscaras de simples dificuldades por vezes empoladas; falhar não existe no meu vocabulário... corrijo, não é falhar, mas antes não fazer completamente bem tudo o que me proponho, tudo o que me propõem. Não atingir metas definidas é um martírio para mim, uma via sacra imposta por mim a mim mesma.
Percebo e condescendo quanto às falhas corriqueiras dos demais, não as desculpo em mim. São desméritos de uma educação voltada para dentro, em busca do eu como desafio, como meta, e quando os descobri, os demais seres humanos, quando olhei e vi-os, realmente, não há muito tempo atrás, percebi a diferença entre mim e alguns dos outros e as semelhanças: todos temos medos ou terrores, eu enfrento-os, olho para eles nos olhos, incorporo-os, embebo-me neles, ao invés de muitas das pessoas que tenho conhecido ao longo destes últimos anos, desviam-se dos seus, empurram-nos para fora de si receando a sua má vizinhança.
Fugir dos nossos medos, para mim, seria o equivalente a fugir do próprio cérebro ou esqueleto. Impossível fazê-lo, eles vivem dentro da nossa casca.
Quando tenho pessadelos, o que acontece com muita frequência parecendo absurdamente reais, e desde que me lembro de mim mesma como ser pensante, aprendi a executar um exercício que é o de parar o pesadelo a meio, como se tivesse o comando do dvd na mão, passo a cena que me apavorou de novo e re-arranjo tudo por forma a deixar de me meter medo. Ou seja, depois de acordar sobressaltada, em vez de esquecer o sonho, fecho os olhos e volto a revivê-lo, alterando o que me incomoda.
Há alguns anos atrás, numa acção de formação com uma psiquiatra clínica, contei-lhe o que fazia, como acabei de descrever agora, quando tinha pesadelos e recebi um óptimo "diagnóstico". Não só os pesadelos constantes seriam como que uma vávula de escape, como para qualquer outra pessoa, mas também são o receptáculo da minha criatividade artística, passo a redundância, e a forma que arranjei para controlar os meus terrores noturnos, segundo a analista, é sinal de imensa coragem e valentia e uma enorme vontade de moldar e controlar as coisas más, tão somente por mudar-lhes o ângulo e a prespectiva.
Confesso que na altura considerei a opinião dela algo estranha, porém, com o passar do tempo, percebi o que ela queria transmitir.
Na verdade não aceito a vida tal qual ela se me apresenta, não aceito os azares, os precalços, os dissabores da mesma forma que vejo muitas pessoas aceitá-los e resignar-se com eles.
Moldo o barro da vida à minha imagem e semelhança, atendendo exclusivamente às minhas expectativas.
Ignoro assim os avisos dos outros ou as sua admoestações e por vezes isso é errado, noutras vezes sinto que devo efectivamente escutar a minha voz interior e nada mais tem importância, porque quando a escuto e faço o que a minha intuição manda, raras vezes falho.
Como esperava, escrever acalmou-me e o sono parece ter chegado. Boa noite e bons sonhos para todos e, caso não sejam bons, experimentem a minha fórmula "ultra-secreta".
7 comentários:
Nada que um bom domingo não ajude a resolver.
Um abraço.
reporter: obrigada pela tua imensa simpatia.
"...uma via sacra imposta por mim a mim mesma.
Percebo e condescendo quanto às falhas corriqueiras dos demais, não as desculpo em mim."
Eu revejo-me inteiramente nesta auto-crítica. Esta noite também não dormi bem, e já há um mês que tenho noites muito inquietas. Sei bem porquê, mas e tu... Quem és tu que insistes em estar perto de mim?
Tenho a impressão que te conheço. dá-me uma resposta, p.f.
Grace: eu não sou ninguém, amiga, e sou toda a gente. É assim que nos sentimos quando encontramos pessoas que comungam dos nossos estados de espírito.
Se precisares e quando precisares o meu e-mail está de portas abertas: bluieme@hotmail.com, dispõe.
Um abaço solidário para com as noites mal dormidas e com os dias pesados.
Terrores nocturnos felizmente não tenho… Durmo que nem uma pedra!!!! E quando acordo, nem résteas de lembranças vagas de sonhos ou pesadelos!!!!!
Mas os terrores diurnos, os reais ,sim!!!! Os teus parecem os meus. As tarefas inacabadas, os dead-lines Mas fui aprendendo ao longo dos anos a tolerar oos outros e condescender e muito mais importante a tolerar-me a condescender-me, não muito mas um pouquinho!!! Aceito-me como sou. Sou muito mais feliz!!! E as tarefas inacabadas foram desaparecendo!!!! E junto com elas os medos.
E trancrevo um texto de Fernando Pessoa que me chegou ás mãos há alguns dias atrás….
Não fala de barro moldado mas de pedras…. De desafios,…. De construções!!!
A felicidade exige valentia.
"Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes mas, não
esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo, e posso evitar que ela
vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios,
incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos
problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no
recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter
medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para
ouvir um "não". É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo..."
Fernando Pessoa - 70º aniversário da sua morte
abaixo os terrores!
http://eavesdropp.blogspot.com
o Tejo é lindo...
fernando: belissímas as palavras de Fernando Pessoa, obrigada, um beijinho para ti.
anonymous: abaixo!! ;)) vou ver o site.
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