quarta-feira, agosto 16, 2006

DESAPONTAMENTOS…

O pessoal juntou-se novamente para mais uma saída só de gajas. É sempre divertido estar com elas se bem que não as vejo tantas vezes como desejava.
O grupo é ruidoso, alegre, inteligente e bonito. Somos todas diferentes umas das outras na forma de estar e pensar, nas vidas profissionais que escolhemos, nas nossas opcções amorosas, mas como mulheres, sabemos muito bem que tudo tem um preço nesta vida pois algumas, apesar de belas, inteligentes e bem sucedidas, ao longo dos anos têm passado por desapontamentos vários que nos marcaram e, de alguma forma, fazem de nós aquilo que somos.
É sempre uma aventura quando estamos juntas, porque amamos a boa música, o teatro, os temas complicados, não escondemos os nossos sentimentos e, aparentemente, temos todas vidas absolutamente normais.
Desta vez quisemos experimentar juntas uma ida ao sushi e nunca imaginariamos que um encontro tão banal, se bem que divertido, pudesse ter sido tão revelador.
Estávamos todas em amena cavaqueira quando nos apercebemos que na mesa ao lado se encontravam dois casais a preparar uma sessão íntima de swing.
Não escondiam nada, nem como se tinham conhecido nem as intenções que tinham ao estarem juntos. Falavam de forma normal sobre o assunto e demos por nós a escutar com atenção e a comentar umas com as outras o tema.
Somos mulheres e quem já observou um grupo de mulheres a divertir-se e a conversar sabe o quanto podemos ser ruidosas e coloridas, porém desta feita uma de nós atirou uma pedrada ao charco e fez-nos parar e pensar nesta opcção sexual que marca muitas das relações dos tempos modernos.
Algumas comentavam o swing em tom de desaprovação porém S., uma das mais caladas do grupo, fez-nos revelações que não esperávamos, ao ter respondido já haver experimentado.
Olhámos umas para a outras e S. foi cravejada de perguntas da mais variada ordem.
Disse-nos, um pouco a medo, com algum rubor nas faces, os olhos escuros bonitos e inteligentes, ficaram, de repente, enssombrados com alguma tristeza.
- Foi traumatizante… - respondeu-nos S. – foi como escalar os Himalaias e encontrar um Macdonalds lá em cima. – ilustrou ela.
Era algo que não esperávamos ouvir, todas nós temos a ideia que é algo de excitante, um pouco clandestino, desviado do comportamento dito normal, mas excitante.
- Traumatizante? – pergunto eu – Mas porquê, queres contar o que se passou?
S. baixou os olhos, deixou-nos em suspense durante o que nos pereceu uma eternidade e suspirando respondeu.
- Ninguém me ligou patavina!… Era algo que fantasiava há algum tempo, queria muito experimentar, escolhi com algum critério as pessoas, demorei a tomar a decisão, mas foi um fiasco…
Ficámos atónitas! S. tinha o ar mais triste que vi em alguém nos dias da minha vida, parecia perdida, os lábios termiam ligeiramente, suspeitei que iria chorar e, com imenso carinho, cobri a mão dela com uma das minhas.
Levantou as pestanas, olhou-me um instante e retirou a mão.
- Calma aí linda, gracejei eu, não fiques nervosa, não te estou a tentar engatar…!
S. sorriu levemente, passou os olhos por todo o grupo suspenso das suas palavras e desabafou.
- Nunca tinha tocado numa mulher intimamente, pensei que iria ficar repugnada mas isso não aconteceu, o que me deixou triste foi ela não me ter correspondido. Tratei-a com a mesma doçura com que gosto de ser tratada, mas ela apenas queria estar de olhos fechados, parecia incomodada com tanta atenção. Era uma mulher vulgar, mas era isso que eu pretendia, mas parecia ter sido apanhada numa ratoeira, predispou-se a estar ali, nitídamente, em prol do companheiro.
Disse-nos que foram jantar, conversaram bastante, S. não se sentiu especialmente atraída pelas pessoas do grupo, apenas o amigo que a acompanhou lhe dizia algo de especial.
Foram para casa de um deles e as coisas percipitaram-se, não correram bem, as diferenças de todos vieram ao de cima contribuido para a falta de homogeneidade dos objectivos de cada um. Nunca nenhum deles tinha feito aquilo mas todos queriam, aparentemente, fazê-lo. Não obstante, o objectivo experimentalista, desbravador de S. tinha ficado frustrado.
- Foi uma treta pegada! – afirmou ela – tinha a esperança que pudesse ser algo belo, partilhado, secreto, misterioso… Mas não passou de uma queca assistida, e ainda por cima aborrecida! Parecia que estávamos todos na mesa do cirurgião, adormecidos e prontos para alguém estranho ter acesso às nossas entranhas mais íntimas.
Reclinei-me para trás na cadeira e observei S. com atenção enquanto esta falava. Não é uma mulher bonita mas é extremamente interessante, tem uns gestos amplos e às vezes lentos como se estivesse a dançar, é elegante com uma pitada de sofisticação sem ser arrogante. Sempre me pareceu uma mulher segura, algo solitária e calada, mas exuberante quando está bem disposta. As mãos têm um ar suave e as unhas são compridas e sem verniz. Gosta de vestir de preto, algo que sempe me atrai nas pessoas, parece convencional mas não é, tem um sorriso bonito, é extremamente simpática e inteligente, uma mistura bem balançada entre a mulher obrigada a endurecer para sobreviver e um interior doçe e meigo. Não se cuida em demasia mas sabe estar de bem com o seu corpo, é activa e sabe o que quer.
Conforme S. ia descrevendo a falta de prazer que teve durante a experiencia que viveu, pensei com os meus botões, onde andam os homens e as mulheres interessantes e de boa índole deste mundo, o que lhes passa pela cabeça, e porque S. é tão solitária.
Fiz-lhe essa mesma pergunta, estava ela a meio de uma frase. Parou e olhou-me de lábios entreabertos, as narinas aspirando com alguma ansiedade o ar da sala. Acendeu um cigarro algo trémula, a voz saiu rouca quando falou.
- Não te sei responder… Desejei esta experiencia para testar os meus limites, o meu poder de sedução "in extremis", se quiseres… - os olhos brilharam, uma lágrima assomou, e logo foi engolida… S. não chora, não se permite a isso, jamais em público.
- E conseguiste chegar a alguma conclusão? – atirei-lhe eu. O grupo entretanto já discutia outra coisa qualquer, acho que era sobre as maluquices poeirentas da ida ao Festival Sudoeste deste ano, tinham-nos deixado sós, no meio do barulho. As minhas amigas são muito efervescentes.
- Não… Óbviamente sinto-me pior e melhor… - e ao meu ar espantado com a resposta S. desenvolveu o raciocínio – o sexo às vezes é uma merda, sabias?!…Decididamente muito não quer dizer melhor, partilhado não significa mais que solitário – deu uma risada baixa – às vezes é mesmo pior...
- Voltavas a repetir?, perguntei.
- Não sei, acho que provavelmente tentarei fazê-lo, talvés de outra forma, mas não tão cedo! Esta foi mesmo para esquecer.
A conta chegou à mesa e com ela o burburinho das divisões dos dinheiros e a decisão de onde iríamos tomar um copo a seguir.
S. juntou-se a elas naquela algarviada de passáros fêmeas, o seu íntimo fechou-se para dar lugar à personagem diária que ela veste desde sempre.
Não voltámos a falar sobre o assunto, o grupo ainda gracejou com ela umas quantas vezes, dizendo-lhe:
- És uma gaja demasiado boa para andares para aí a ser maltratada… ela sorriu e não respondeu.
Quando fiquei sózinha, já de madrugada, depois delas me terem levado a casa, não consegui deixar de reflectir na experiencia que S. tinha partilhado connosco.
Dei comigo a pensar que pessoas como S. e muitas mais, entram numa odisseia em busca de revisitar lugares comuns, como seja o sexo, e a desejarem colori-los de outras formas, concluíndo que nem sempre vale a pena deixarmos de ver apenas a preto e branco.
Pensei na insensibilidade das pessoas quem não repararam nela, nas suas potencialidades e no muito que tem para dar sem negar o que precisa receber.
Desapontamentos todos temos, de uma forma ou de outra, ao longo dos nossos caminhos, porém escalar a cordilheira dos Himalaias e descobrir a porra de um MacDonalds lá em cima, quando esperávamos sentir uma epifania, uma revelação, é realmente algo difícil de engolir.
A S. dediquei o meu último pensamento do dia, já exausta e cheia de sono, imaginando-a a chorar sózinha e quieta na sua cama, ou provavelmente já adormecida embalada pelas suas certezas, desejando ardentemente que ela não desistisse das suas escaladas.
Coragem Amiga!!

3 comentários:

Shaktí disse...

Sda, obrigada por teres aberto a "discusão" com um comentário deveras interessante.
Cada vez fico com menos dúvidas que aquilo que é feito apenas por fazer é desprovido de sentido, e isso seja lá o que for.
O sexo, por ser algo tão íntimo e que nos toca sempre tanto, quando realizado apenas para "empilhar" experiencias deixa, com alguma frequencia, uma forte mágoa. Ainda mais se não for satisfatório, pelo menos para quem se predispõe a experimentar.
Beijos para ti.

JPS disse...

Há tantas S e tantos S por ai... na volta a S é quem o Z procura, mas estão condenados nunca se encontrarem...

Confesso que tenho curiosidade em relação ao Swing,mas são relatos como este que me poem de pé atrás.

Shaktí disse...

zuko: o problema de algumas pessoas que se metem nestas e noutro tipo de relação mais ou menos fora da dita "normalidade" percebem que acabam por sentir que estão a mastigar mais do que podem engolir. Por vezes dou por mim a pensar que prefiro a banalidade do que é mais "normal" à efervescencia ilusória de algumas experiencias.

Obrigada pela tua visita