quarta-feira, agosto 23, 2006

As vértebras de Lisboa


Nas calçadas pombalinas
ecoam passos silenciosos
Os cigarros seguem-se uns
Após os outros

O abraço negro, gótico, da noite
Sossega-me
Tranquiliza-me
Apazigua-me

A lua vai alta
por cima do Convento do Carmo

Lisboa suicída-se
quieta
aos pés do Rio

Evade-se uma lágrima
Única por si só
Fria da aragem que sopra
Pesa-me a noite nos olhos
por ser tão leve

Sou arrancada deste onírico sistema
Pelo deslizar contínuo dos eléctricos

Movem-se as peças demasiado depressa
No tabuleiro de xadrez
- parem! não é assim, não é assim…
um balbuciar tímido
como quem se encosta
cansado
a uma parede

Ao fundo da rua em choro incómodo
alguém ouvia um blues ...

Os dedos, as pontas dos dedos
não sabem mais o caminho
Não arranjam já os cabelos
que esvoaçam de encontro ao rosto

Estar só nesta cidade
Tão longe de ser banal
E precorrer-lhe as colinas como vértebras
É como caminhar em direcção a uma sala
onde alguém projecta
uma comédia

de risos acabados há muito

Nascem vilões todos os dias
E estão parados, expectantes, ofegantes
No vestíbulo de cada manhã

Se nevasse
agora
em Lisboa
eu acreditaria… juro


Shaktí 08/2006




Agradecimentos:

A foto foi gentilmente cedida pelo meu amigo Rui, de férias, algures na Transilvânea (http://ruipfg.buzznet.com/ ; http://tigerjump.blogspot.com/)




9 comentários:

Foxy disse...

Olá... Segui o conselho e postei una artigos do espaço...

Shaktí disse...

Obrigada já fui espreitar

Pink disse...

Lisboa é linda!
Digam o que disserem eu adoro passear por Lisboa quando preciso de me encontrar...
Caminhar pela rua Augusta e observar os vendedores, os quadros, os pintores...até meter conversa com eles e conhecer a história das suas vidas...
Subir até ao castelo, pelas ruas estreitas, e sentada num banco admirar a vista sobre o rio. Depois se estiver cansada, descer de eléctrico...
Ou então sentar-me na praça do comércio a observar a agitação citadina...
De Lisboa gosto principalmente da parte "velha", faz-me recuar no tempo...
Em Lisboa perco-me e encontro-me.
Mas nem todos sabem apreciar a beleza desta senhora tantas vezes cantada.
Ah...foto é bem bonita.

Shaktí disse...

pink: Lisboa tem uma luz própria que não se encontra em mais lugar nenhum. É uma cidade que sempre me apaixonou e da qual não me consigo afastar durante muito tempo.
Obrigada pela tua vista.

Nuno Lourenço disse...

Estas noites andam quentes
Lisboa fica excitada com estas noites de fulgor
como se os instintos despertassem com a brisa nocturna e luarenta.
Os neurónios cozem durante o dia borbulhando na sua fervura,
queimando as impurezas e as bactérias incómodas e
à noite é que são elas.
Só apetece é comer os cérebros que por aí pululam.
Isto para te dizer que dei comigo no estado puro nipónico,
armado de objectiva acidental de Alfama em Alfama
Descendo degraus e degraus até ao Eugénio de Andrade.
Encanta-me a Lisboa que encobre as mazelas do dia.
Um destes dias vens comigo no acaso casual da descoberta
de que, perdidos é que isto tem graça.
Pago-te um copo
Vá lá!
Anda lá!

João Gil

Encontrei este texto sobre Lisboa não sei se já o conhecias, em relação ao teu poema fico muito contente vás escrevendo poemas belos como este e que os vás partilhando, beijo.

Shaktí disse...

Nuno: não conhecia o texto do João Gil, obrigada por mo mostrares.
Aliás este texto vai de encontro àquele périplo por Lisboa à noite com outro amigo do qual já te falei e que estará para breve. Mal os vampiros da Transilvânia o devolvam a terras lusas.
Beijo e agradeço as tuas amáveis palavras sobre o meu texto.

Nuno Lourenço disse...

Sim claro que esse périplo está combinadissimo e espero por ele, se quiseres dá uma visita gosto muito da forma como ele escreve.
http://joaogil.blogspot.com

RuiPFG disse...

Linda foto...quem a tirou ao certo ?

Shaktí disse...

rpedro: Mano!! Foste tu!! beijos